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Capítulo 1 Ver capítulo

1 Havia na terra de Hus um homem, chamado Job. Este homem era sincero, recto, temia a Deus e fugia do mal.

2 Nasceram-lhe sete filhos e três filhas.

3 Possuía sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois, quinhentas jumentas e um grande número de servos. Este homem era o maior entre todos os Orientais.

4 Seus filhos iam e banqueteavam-se em suas casas, cada um em seu dia, e mandavam convidar suas três irmãs para irem comer e beber com eles.

5 Tendo decorrido o turno dos dias de banquete, Job mandava chamar seus filhos, purificava-os e, levantando-se de madrugada, oferecia holocausto por cada um deles, porque dizia: Talvez meus filhos tenham pecado, ofendido a Deus nos seus corações. Assim fazia Job de cada vez.

6 Porém um certo dia, tendo-se os filhos de Deus (isto é, os anjos) apresentado diante do Senhor, encontrou-se também Satanás entre eles.

7 O Senhor disse-lhe: Donde vens tu? Ele respondeu: Venho de dar uma volta pela terra e de passear por ela.

8 O Senhor disse-lhe: Porventura consideraste o meu servo Job? Não há semelhante a ele na terra: homem sincero e recto, teme a Deus e foge do mal?

9 Satanás, respondeu: Porventura Job teme (ou serve) debalde a Deus?

10 Não o cercaste de um vaiado protetor, a ele, à sua casa e a todos os seus bens? Não abençoaste as obras de suas mãos, e os seus bens não se têm multiplicado sobre a terra?

11 Mas estende tu um pouco a tua mão, toca em tudo o que ele possui, e verás se ele te não amaldiçoa na tua face.

12 Disse, pois, o Senhor a Satanás: Pois bem, tudo o que ele tem está era teu poder; sòmente não estendas a tua mão contra ele. Satanás saiu da presença do Senhor.

13 Um dia, enquanto os filhos e as filhas de Job estavam comendo e bebendo vinho em casa do seu irmão primogênito,

14 foi ter com Job um mensageiro, que lhe disse: Os bois lavravam, e as jumentas pastavam junto deles;

15 de repente acometeram-nos os Sabeus, que levaram tudo e passaram à espada os criados; só eu escapei para te trazer a nova.

16 Estando ainda este a falar, veio outro e disse: O fogo de Deus caiu do céu, e, ferindo as ovelhas e os pastores, consumiu-os; escapei eu só para te trazer a nova.

17 Ainda este falava, quando chegou outro, que disse: Os Caldeus dividiram-se era três esquadrões, lançaram-se sobre os camelos e levaram-nos, e passaram à espada os criados; só eu escapei para te trazer a nova.

18 Ainda este estava falando, quando entrou outro, que disse: Estando teus filhos e filhas comendo e, bebendo vinho em casa de seu irmão mais velho,

19 de repente levantou-se um vento muito forte da banda do deserto, que abalou os quatro cantos da casa, a qual, caindo, esmagou os teus filhos, que morreram; só escapei eu para te trazer a nova.

20 Então levantou-se Job, rasgou as suas vestes e rapou a cabeça; depois prostrou-se por terra, adorou (o Senhor)

21 e disse: Nu saí do ventre de minha mãe, e nu tornarei para lá (para o seio da terra); o Senhor o deu, o Senhor o tirou, como foi do agrado do Senhor, assim sucedeu; bendito seja o nome do Senhor.

22 Em todas estas coisas Job não pecou com os seus lábios, nem disse coisa alguma insensata contra Deus.

Capítulo 2 Ver capítulo

1 Ora sucedeu que, em certo dia, tendo comparecido os filhos de Deus diante do Senhor, foi também Satanás entre eles, e pôs-se na sua presença.

2 O Senhor disse a Satanás: Donde vens tu? Ele respondeu: De dar uma volta pela terra e de passear por ela.

3 O Senhor disse a Satanás: Não consideraste o meu servo Job? Não há outro semelhante a ele na terra: homem sincero e recto, teme a Deus e foge do mal. Ainda conserva a sua perfeição, apesar de me haveres incitado contra ele, para o afligir em vão.

4 Satanás respondeu: Pele por pele! O homem dará tudo o que possui pela sua vida.

5 Mas (experimenta), estende a tua mão, toca-lhe nos ossos e na carne, e então verás se ele te não amaldiçoa cara a cara.

6 Disse o Senhor a Satanás: Eis que ele está na tua mão; conserva, porém, a sua vida.

7 Satanás, tendo saído da presença do Senhor, feriu Job com uma chaga horrível, desde a planta do pé até ao alto da cabeça.

8 E Job, sentado sobre a cinza, raspava a podridão com um pedaço de telha.

9 Sua mulher disse-lhe: Ainda perseveras na tua integridade? Maldiz a Deus e morre.

10 Job respondeu-lhe: Falaste como uma mulher insensata; se nós recebemos os bens da mão de Deus por que não havemos de receber também os males? Em todas estas coisas Job não pecou com os seus lábios.

11 Ora os três amigos de Job, tendo ouvido todo o mal que lhe havia sucedido, foram (ter com ele), cada um do seu lugar: Elifaz de Teman, Baldad de Suhé, e Sofar de Naama. Tinham combinado irem juntos visitá-lo e consolá-lo.

12 Tendo, de longe, levantado os olhos, não o conheceram; então, erguendo a voz, choraram e, rasgadas as suas vestes, lançaram pó ao ar sobre as suas cabeças.

13 Sentaram-se com ele por terra durante sete dias e sete noites, e nenhum lhe dizia palavra, porque viam quão veemente era a sua dor.

Capítulo 3 Ver capítulo

1 Depois disto Job abriu a sua boca e amaldiçoou o dia do seu nascimento.

2 Falou assim:

3 Pereça o dia em que nasci, e a noite em que se disse: Foi concebido um homem.

4 Converta-se aquele dia em trevas. Deus não cuide dele do alto do céu, nem seja (esse dia) iluminado pela luz.

5 Escureçam-no as trevas e a sombra da morte, cerque-o uma negra escuridão, e seja envolte em amargura.

6 Que as trevas se apoderem daquela noite, não seja ela contada entre os dias do ano, nem seja numerada entre os meses.

7 Seja solitária aquela noite, não se ouça nela grito algum de alegria!

8 Amaldiçoem-na aqueles que amaldiçoam o dia, os que sabem evocar Leviathan.

9 Escureçam-se as estrelas do seu crepúsculo (matutino), espere a luz, mas não a veja, nem veja o abrir das pálpebras da aurora,

10 porque não fechou o ventre que me trouxe, nem apartou de meus olhos os males.

11 Por que não morri eu dentro do ventre materno? por que não pereci logo que saí dele?

12 Por que fui recebido sobre dois joelhos? por que me amamentaram dois seios?

13 Agora, dormindo, estaria em silêncio, e descansaria no meu sono,

14 juntamente com os reis e com os árbitros da terra, que fabricam para si mausoléus;

15 com os príncipes que possuem oiro, e que enchem as suas casas de prata.

16 Ou, então, como um aborto escondido, eu não existiria, como os que, depois de concebidos, não viram a luz.

17 Ali (no sepulcro) os impios cessam de tumultos, ali repousam os cansados de forças.

18 Ali estão em paz todos os cativos, sem ouvir a voz do (cruel) comitre.

19 O pequeno e o grande ali estão, e o escravo está livre do seu senhor.

20 Por que foi concedida a luz aos infelizes, a vida aos que estão em amargura de ânimo,

21 os quais esperam a morte que não vem, que a buscam mais ardentemente que um tesouro,

22 e ficam transportados de alegria quando encontram o sepulcro?

23 (Por que foi dada a vida) a um homem (conto eu) que não sabe o caminho, e a quem Deus cercou completamente?

25 O mal que eu temo, acontece-me, o que receio, cai sobre mim.

26 Não tenho paz nem sossego, não tenho repouso, mas apenas perturbação.

Capítulo 4 Ver capítulo

1 Então, tomando a palavra Elifaz de Teman, disse:

2 Se começarmos a falar-e, talvez tu o leves a mal;

3 mas, quem poderá conter a palavra concebida? Eis que ensinaste a muitos, deste vigor a mãos cansadas.

4 A s tuas palavras firmaram-os que vacilavam, fortaleceste os joelhos trêmulos;

5 porém, agora que veio sobre li (a desgraça), desfaleceste; feriu-te, e tu te perturbaste.

6 A tua piedade não é a tua esperança? A perfeição dos teus caminhos não é a lua segurança?

7 Lembra-te: que inocente pereceu jamais? ou quando foram os justos destruídos?

8 Quanto a mim, tenho visto que os que praticam a iniquidade, os que semeiam dores, as segam.

9 Perecem, a um sopro de Deus, são consumidos por um sopro da sua ira.

10 (Assim é abafado) o rugido do leão, o grito da leoa; (assim) os dentes dos cachorros dos leões são despedaçados.

11 O leão morre por falta de presa, e os cachorros dos leões são dispersos.

12 A mim foi dita uma palavra em segredo, os meus ouvidos, como às furtadelas, perceberam o seu débil som.

13 No horror de uma visão noturna, quando o sono costuma apoderar-se dos homens,

14 o medo e o tremor me assaltaram, e todos os meus ossos estremeceram.

15 Ao passar diante de mim um espirito, os meus cabelos se arripiaram.

16 Parou alguém diante (de mim), cujo rosto eu não conhecia, um espectro diante dos meus olhos, e ouvi uma voz como de branda viração (que dista):

17 Porventura o homem, em confronto com Deus, será tido por justo? ou será puro diante do seu Criador?

18 Ainda os mesmos que o servem, não são estáveis, e (até) nos seus anjos encontrou defeito.

19 Quanto mais aqueles que habitam casas de barro, os quais têm a terra por fundamento, serão consumidos como pela traça?

20 De manhã até à tarde são destroçados, sem que ninguém dê couta, para sempre.

21 A corda da sua tenda (vida) é cortada, perecem, morrem, mas não em sabedoria (isto é como insensatos).

Capítulo 5 Ver capítulo

1 Chama, pois, (algum defensor), se é que há alguém que te responda. Para qual dos santos te voltaras?

2 Verdadeiramente a ira mata o insensato, e a inveja mata o louco.

3 Eu vi o (pecador) insensato com profundas raízes, mas, sìbitamente, foi destruída a sua morada.

4 Longe estão os seus filhos da salvação (ou felicidade), são pisados à porta (da cidade), e não há quem os livre.

5 A sua messe devora-a o faminto, salta sobre os espinhos para a arrebatar, e os sequiosos bebem as suas riquezas.

6 A desgraça não nasce do pó, e a dor não brota da terra.

7 O homem nasceu para sofrer, como os filhos da chama (faúlhas) paravoar.

8 Por mim, rogarei ao Senhor, dirigirei a minha oração a Deus,

9 que faz coisas grandes e impenetráveis maravilhas incontáveis,

10 que derrama a chuva sobre a face da terra, e tudo rega com as águas;

11 que exalta os humildes, e aos tristes alenta com prosperidades;

12 que dissipa os pensamentos dos malignos, para que as suas mãos não possam acabar o que tinham começado;

13 que apanha os astutos na sua própria astúcia, e que dissipa o desígnio dos maus.

14 De dia se encontram em trevas, e ao meio-dia andam às apalpadelas como de noite.

15 Ele salva o desvalido da espada da sua boca, e o pobre da mão do (homem) poderoso.

16 Volta a esperança ao indigente, e a iniquidade fecha a sua boca.

17 Bem-aventurado o homem a quem Deus corrige. Não desprezes, pois, a correção do Omnipotente,

18 porque ele fere e sara; dá o golpe e as suas mãos curam.

19 Seis... à sétima... Gradação usada para indicar um grande número.

20 Seis vezes te livrará da angústia, e à sétima o mal não te tocará.

21 No tempo da fome ele te salvará da morte, e no tempo da guerra do poder da espada.

22 Estarás a coberto do açoute da (má) língua. e não temerás a calamidade quando chegar.

23 Da desolação e da fome te rirás, e não temerás as feras da terra.

24 Até farás aliança com as pedras dos campos, e as feras da terra te serão pacificas.

25 Verás reinar a paz na tua casa, e, visitando as tuas terras, nada te verás faltar.

26 Verás também multiplicar-se a tua descendência, crescer a tua posteridade como a erva dos campos.

27 Entrarás, na maturidade, no sepulcro, como um feixe de trigo colhido a seu tempo.

28 Olha que assim é isto que nós observámos; escuta-o e tira dele proveito.

Capítulo 6 Ver capítulo

1 Job, porém, respondendo, disse:

2 Oh! Se os meus queixumes se pudessem pesar, se a calamidade que padeço se pesasse com eles numa balança,

3 esta apareceria mais pesada que a areia do mar: por isso as minhas palavras são desvairadas.

4 As setas do Senhor estão cravadas em mim, e o veneno delas devora o meu espirito; os terrores do Senhor combatem contra mim.

5 Porventura orneja o asno montez, quando tem erva? ou muge o boi, quando tem diante a manjedoura bem cheia?

6 ou pode comer-se uma coisa insípida, não temperada de sal? ou pode alguém gostar daquilo que mata quem o come?

7 As coisas, que antes a minha alma não queria tocar, agora pela aflição são o meu sustento.

8 Quem dera que se cumprisse a minha petição, e que Deus me concedesse o que espero!

9 E que o que começou (a ferir-me), esse mesmo me fizesse em pó, que estendesse a mão, e me cortasse a vida!

10 Teria ao menos uma consolação, exultaria no meio dos tormentos: não ter transgredido os mandamentos do Santo.

11 Pois, que fortaleza é a minha para poder sofrer? ou qual o meu fim para me portar com paciência?

12 A minha fortaleza não é como a das pedras, nem a minha carne é de bronze.

13 Bem vedes que eu não encontro socorro em mim, e que até os meus mais íntimos me abandonaram.

14 Aquele que não tem compaixão do seu amigo, abandona o temor do Senhor.

15 Meus irmãos enganaram-me como a torrente, que ràpidamente se escoa.

16 (As águas) que antes se perturbavam com os gelos, e sobre que se acumulava a neve,

17 Começam a dissipar-se, logo que vier calor, desaparecem do seu lugar.

18 Por diversas veredas se perdem, evaporam-se e extinguem-se.

19 Coutavam com elas as caravanas de Tema, esperavam nelas os caminhos de Saba.

20 Frustraram-se as suas esperanças, quando chegaram às suas margens, ficaram confundidos.

21 (Tais sois vós que) vieste agora: à vista dos meus males, tendes medo (e fugis de mim).

22 Porventura disse-vos eu: Socorrei-me, dai-me dos vossos bens,

23 livrai-me da mão do inimigo e tirai-me do poder dos poderosos?

24 Ensinai-me, e eu me calarei, fazei-me ver em que caí.

25 Por que contradissestes vós as palavras de verdade (que eu disse)? Mas, de que me podeis censurar?

26 Quereis censurar palavras (minhas)? Mas, as palavras desesperadas, leva-as o vento.

27 Arremeteis contra um órfão, e esforçais-vos por fazer tropeçar o vosso amigo.

28 Peço-vos que vos volteis de novo para mim, e vede se eu minto diante de vós.

29 Respondei, vos peço, sem contenda, e, dizendo o que é justo, julgai.

30 Não encontrareis iniquidade na minha língua, nem na minha boca soará estultícia alguma.

Capítulo 7 Ver capítulo

1 A vida do homem sobre a terra é uma milícia; os seus dias são como os dias dum mercenário.

2 Assim como um escravo (fatigado) suspira pela sombra, e o mercenário espera o seu salário,

3 assim também eu tive meses vazios (de consolação), e contei noites trabalhosas.

4 Se durmo, digo: Quando me levantarei eu? (Depois de levantado) espero a tarde, e sacio-me de dores até à noite.

5 A minha carne está coberta de podridão e de imundície do pó, a minha pele está enrugada e supura.

6 Os meus dias correm mais rápidos que o cortar da teia pelo tecelão, consomem-se sem esperança (de voltar).

7 Lembra-te que a minha vida é um sopro e que os meus olhos não tornarão a ver a felicidade (perdida).

8 Não me verá mais o olhar humano; os teus olhos procurar-me-ão, mas eu não subsistirei.

9 Assim como a nuvem se dissipa e passa, assim aquele que descer ao sepulcro, não subirá,

10 Nem voltará mais a sua casa, nem o lugar onde estava o conhecerá jamais.

11 E por isso eu não reprimirei a minha língua, falarei na angústia do meu espírito, lamentar-me-ei na amargura da minha alma.

12 (Direi ao Senhor): Porventura sou eu o mar ou um monstro marinho, para me teres encerrado como num cárcere?

13 Se eu digo: "Consolar-me-á o meu leito, a minha cama (onde repousarei) aliviará o meu sofrer."

14 tu me aterras com sonhos, e me horrorizas com horríveis visões.

15 Por isso a minha alma prefere a estrangulação, os meus ossos preferem a morte.

16 Perdi as esperanças, não viverei mais; tem piedade de mim, porque os meus dias são nada.

17 Que coisa é o homem para tanto te importares com ele, para se ocupar dele o leu coração,

18 para o visitares todas as manhãs, e o pores à prova todos os instantes?

19 Até quando não cessarás de olhar para mim, sem permitir que eu (respire ou) engula a minha saliva?

20 Se pequei, que te farei eu ó guarda dos homens (para te aplacar)? porque me puseste contrário a ti, e me tornei pesado a mim mesmo?

21 Porque não me tiras o meu pecado, e porque não apagas a minha iniquidade? Eis que vou agora dormir no pó, e, se tu me buscares pela manhã, já não existirei.

Capítulo 8 Ver capítulo

1 Mas Baldad de Suhé tomou a palavra e disse:

2 Até quando dirás tu semelhantes coisas, e as palavras da tua boca serão um vento impetuoso?

3 Porventura Deus perverte os seus juízos, ou o Omnipotente subverte a justiça?

4 Se teus filhos pecaram contra ele, abandonou-os ao poder da própria iniquidade.

5 Contudo, se tu recorreres prontamente a Deus. e, humilde, rogares ao Omnipotente.

6 se caminhares com pureza e retidão, logo despertará para te acudir. e fará prosperar a morada da tua justiça,

7 de tal sorte que os teus primeiros bens parecerão pequenos, de tão grandes que hão-de ser os últimos.

8 Interroga, pois, as gerações passadas, examina com cuidado as memórias de nossos pais.

9 - Com efeito, nós somos de ontem, e somos uns ignorantes, porquanto os nossos dias sobre a terra passam como a sombra. -

10 Eles te instruirão, te falarão, e do seu coração tirarão as suas sentenças:

11 Porventura um papiro pode crescer fora do paul? Pode crescer um junco sem água?

12 Quando está ainda verde, sem que mão alguma lhe toque, seca antes que as outras ervas.

13 Assim é a sorte de todos os que se esquecem de Deus, assim perecerá a esperança do ímpio.

14 Será despedaçada a sua esperança, a sua confiança será como a teia de aranha.

15 Ele se apoia sobre a sua casa, que se não segura, apega-se a ela, que não tem consistência.

16 (O ímpio é como) uma planta que se mostra fresca antes de vir o sol; quando ele nasce, brotará o seu rebento (da terra).

17 A s suas raízes se multiplicarão entre um montão de pedras, e ficará entre penhascos.

18 Se alguém a arrancar do seu lugar, este a desconhecerá e dirá: Não te conheço.

19 Eis onde termina o seu destino; outros, igualmente, brotarão da terra, em seu lugar.

20 Deus não rejeita o homem sincero, nem dá a mão aos malvados.

21 Um dia encherá a tua boca de riso, e os teus lábios de júbilo.

22 Os que te aborrecem, serão cobertos de confusão; e a casa dos impios não subsistirá.

Capítulo 9 Ver capítulo

1 Respondendo Job, disse:

2 Eu sei verdadeiramente que é assim, que o homem comparado com Deus não é justo.

3 quisesse disputar com Deus, não lhe poderia responder por mil coisas uma só.

4 Deus é sábio de coração, e forte em poder; quem lhe resistiu e ficou em paz?

5 Ele transporta os montes, sem que eles o saibam, revolve-os na sua ira.

6 Ele sacode a terra do seu lugar, e as suas colunas são abaladas.

7 Ele manda ao sol, e o sol não nasce; põe um selo nas estrelas.

8 Ele formou, sozinho, a extensão dos céus, e caminha sobre as ondas do mar.

9 Ele criou a Ursa, o Orião e as Pléiades, e os astros (que estão) no fundo do austro.

10 Ele faz coisas grandes e incompreensíveis, prodígios que não têm número.

11 Se ele vem a mim, eu não o verei, se se retira não o perceberei.

12 Se levar uma presa, quem se lhe oporá? Quem lhe pode dizer: Por que fazes isto?

13 Deus. ninguém pode resistir à sua ira, e sob ele curvam-se os auxiliares de Rabab.

14 Quem sou eu, pois, para lhe responder, e para lhe falar com as minhas próprias palavras?

15 Ainda que eu tivesse alguma razão, não responderia, mas imploraria a clemência do meu juiz.

16 E ainda que tivesse ouvido ás minhas súplicas, não acreditaria que tivesse feito caso da minha voz,

17 ele que me desfaz como num redemoinho, e multiplica as minhas feridas, mesmo sem (manifestar o) motivo;

18 que não deixa que o meu espírito repouse, e me enche de amarguras.

19 Se se busca fortaleza, ele é robustíssimo; se equidade de juízo, ninguém ousa dar testemunho em meu favor.

20 Se eu pretender justificar-me, a minha boca me condenará (de presunçoso); se me mostrar inocente, ele me convencerá de culpado.

21 Ainda que eu seja inocente, a minha alma o ignorará, e me será (sempre) fastidiosa a minha vida.

22 Um a só coisa disse: (Deus) aflige o inocente como ímpio.

23 Se ele fere, mate por uma vez, e não se ria das peuas dos inocentes.

24 A terra foi entregue nas mãos do ímpio, e ele cobre com um véu os olhos dos seus juízes; se não é Deus (que o permite), quem é pois?

25 Os dias da minha vida são mais velozes do que um correio; fogem sem terem visto a felicidade.

26 Passam como navios que levam fruta, como a águia que voa para a presa.

27 Se eu disser: "vou esquecer meus lamentos, mudar em alegre o meu ar triste",

28 temo por todas as minhas obras, sabendo que não perdoas ao culpado.

29 Sou com certeza tido como culpado; para que, pois, fatigar-me em vão?

30 Ainda que me lavasse com água de neve, e as minhas mãos brilhassem como as mais limpas,

31 contudo me submergirias na imundície. e os meus próprios vestidos teriam horror de mim.

32 Porque eu não terei de responder a um homem semelhante a mim, nem contestar com ele como um meu igual.

33 Não há quem possa ser árbitro entre ambos, nem meter a sua mão (como mediador) entre os dois.

34 Retire ele a sua vara de mim, e não me amedronte o seu terror;

35 (então) falarei, e não o temerei porque no temor em que estou, não posso responder.

Capítulo 10 Ver capítulo

1 A minha alma tem tédio da vida; darei livre curso aos meus lamentos, falarei na amargura do meu coração.

2 Direi a Deus: Não me condenes; mostra-me por que me julgas assim.

3 Porventura parece-te bem oprimires-me rejeitares-me a mim, que sou obra das tuas mãos, e favoreceres o desígnio dos impios?

4 Porventura tens tu olhos de carne, ou vês as coisas como as vê o homem?

5 Porventura os teus dias são como os dias do homem, ou os teus anos são como os anos do homem,

6 para te informares da minha iniquidade, averiguares o meu pecado,

7 sabendo tu que eu não cometi impiedade alguma, e não havendo ninguém que possa arrancar-me da tua mão?

8 As tuas mãos fizeram-me e modelaram-me e assim de repente me vais destruir?

9 Lembra-te que me formaste como barro; ir-me-ás reduzir novamente ao pó?

10 Porventura não me mugiste como leite, e coagulaste como queijo?

11 De pele e de carne me vestiste; de ossos e de nervos me organizaste.

12 Concede-me, com a vida, a misericórdia, a tua providência guardou o meu espírito,

13 Porém, ainda que escoadas estas coisas em teu coração, eu sei todavia que te lembras de tudo.

14 Se eu peco, tu me observas, e não deixarás sem castigo a minha culpa.

15 Se for mau, desgraçado de mim? Mas, se for justo, não levantarei cabeça, farto como estou de confusão e de miséria.

16 Se me levanto, tu me apanharás como a um leão, e me tornarás a atormentar dum modo terrível.

17 Tu renovas contra mim os teus testemunhos, e multiplicas contra mim a tua ira, tropas frescas se levantara contra mim.

18 Por que me tiraste tu do ventre de minha mãe? Teria perecido, sem que nenhum olho (moral) me visse.

19 Teria sido como se não existisse, trasladado do ventre materno para a sepultura.

20 Porventura o pequeno número dos meus dias não se acabará em breve? Deixa-me, pois, que eu chore um pouco a minha dor,

21 antes que vá para não mais tornar (a esta vida terrena), para aquela terra tenebrosa e coberta de escuridão da morte;

22 terra de miséria e de trevas, onde habita a sombra da morte, e onde não há nenhuma ordem, mas um sempiterno horror.

Capítulo 11 Ver capítulo

1 Então respondendo Sofar de Naama, disse:

2 Porventura o que fala muito, não terá também de ouvir? Ou bastará a um homem ser grande falador para se justificar? A tua tagarelice calará os homens?

3 Depois de zombares dos outros, ninguém te há-de confundir?

4 Tu disseste (a Deus): "O que penso é verdadeiro, e eu estou limpo na tua presença."

5 Oxalá que Deus falasse contigo, e abrisse contigo os teus lábios,

6 para te descobrir os segredos da sua sabedoria, e a multiplicidade da sua lei, com o que conhecerias que te castigue muito menos do que merece a tua maldade.

7 Porventura alcançarás os caminhos de Deus, e conhecerás perfeitamente o Omnipotente?

8 Ele é mais alto do que o céu; que farás tu? Mais profundo do que o inferno; como conhecerás ?

9 A sua medida é mais comprida que a terra, e mais larga que o mar.

10 Se ele acontecer, aprisionar e citar em juízo (o culpado), quem poderá impedi-lo?

11 Porque ele conhece os perversos, vê a iniquidade, sem que ela dê conta.

12 A' vista disto, mesmo um néscio entenderia, e um jumento andaria na razão.

13 Se voltares o teu coração para Deus, se ergueres a ele os teus braços,

14 Se lançares fora de ti a iniquidade, que está em tuas mãos, Se a injustiça não tiver aceitação na tua casa,

15 então poderás levantar o teu rosto sem mácula, serás estável (na virtude) e não temerás.

16 Então te esquecerás dos teus sofrimentos, lembrar-te-ás deles como de águas que passaram.

17 E se levantará para ti o futuro, brilhante como o meio-dia, as trevas se mudarão em aurora.

18 Terás confiança pela esperança (da vida eterna), que te será proposta, e, deitado, dormirás tranquilo.

19 Repousarás, e não haverá quem te amedronte, e muitos suplicarão a tua face.

20 Mas os olhos dos impios se consumirão; não lhes ficará refúgio (que os livre do castigo merecido), e a sua esperança será o último suspiro.

Capítulo 12 Ver capítulo

1 Mas Job, respondendo, disse:

2 Em verdade, só vós sois homens (sábios), e convosco morrerá a sabedoria!

3 Eu também tenho entendimento como vós, e não vos sou inferior; pois quem ignora isso que vós sabeis?

4 Sou objecto de riso dos meus amigos, eu que invocava Deus e a quem Deus respondia; objecto de riso o justo, o inocente!...

5 Desprezo ao desgraçado! Assim pensa o que é ditoso. Desprezo aquele cujos pés vacilam.

6 As casas dos ladrões estão na abundância, seguros estão os que atrevidamente provocam a Deus e que não têm outro deus senão o seu braço.

7 Pergunta, porém, aos animais, e eles te ensinarão, às aves do céu, e elas te indicarão.

8 Fala com a terra, e ela te responderá, e os peixes do mar te instruirão.

9 Quem ignora que a mão de Deus fez todas as coisas,

10 que ele tem na sua mão a alma de todo o vivente, e o sopro da vida de toda a carne humana.

11 Porventura o ouvido não distingue as palavras, como o paladar distingue o sabor dos alimentos ?

12 A sabedoria acha-se nos velhos, e a prudência na vida dilatada.

13 A sabedoria e a fortaleza estão em Deus; ele possui o conselho e a inteligência.

14 Se ele destruir, ninguém há que edifique, se aprisionar um homem, ninguém há que o solte.

15 Se retiver as águas, tudo secará, e, se as soltar, submergirão a terra.

16 Nele residem a fortaleza e a sabedoria; ele conhece o enganador e o que é enganado.

17 Ele conduz os conselheiros a um fim insensato, e conduz os juízes à estupidez.

18 Ele desata o cinturão dos reis, e cinge os seus rins com uma corda.

19 Deixa ir os sacerdotes sem glória, e abate os poderosos.

20 Troca as palavras dos homens mais hábeis, e tira o conselho aos velhos.

21 Faz cair o desprezo sobre os príncipes, e afrouxa a cintura dos fortes.

22 Tira das trevas as coisas mais ocultas, e traz à luz a (própria) sombra da morte.

23 Multiplica as nações e as destrói, e, depois de destruídas, as restitui ao seu primeiro estado.

24 Ele muda o coração dos príncipes do povo da terra, transvia-os em desertos sem caminhos;

25 Job faz uma longa enumeração dos males que, por permissão de Deus, sobrevêm a toda a classe de pessoas e de povos, para mostrar não tanto o seu poder como a independência em que está a sua ação dos méritos dessas pessoas e povos.

26 andam às apalpadelas nas trevas, longe da luz; fá-los andar errantes como ébrios.

Capítulo 13 Ver capítulo

1 Eis que os meus olhos viram todas estas coisas, e o meu ouvido as ouviu, e as compreendi todas.

2 Aquilo que vós sabeis também eu o sei, não vos sou inferior.

3 Contudo, falarei ao Omnipotente, e com Deus desejo conversar,

4 pois vós sois forjadores de mentiras, sois médicos que nada curais.

5 E oxalá que vós vos calásseis, para poderdes passar por sábios.

6 Ouvi, pois, a minha refutação, e atendei ao juízo dos meus lábios.

7 Porventura necessita Deus dás vossas mentiras, para que em sua defesa faleis com fraude?

8 Porventura quereis fazer, em favor de Deus, acepção de pessoas, quereis ser advogados da sua causa?

9 Seria do vosso agrado que ele vos examinasse ? Enganá-lo-eis como se engana um homem?

10 Ele mesmo vos condenará, se secretamente fazeis acepção de pessoas.

11 Sim, a sua majestade vos perturbará, e o seu terror cairá sobre vós.

12 Os vossos argumentos são razões de pó, as vossas defesas são de barro.

13 Calai-vos por um pouco, deixai-me falar, e venha sobre mim o que vier.

14 Por que lacero eu as minhas carnes com os meus dentes, e por que trago eu a minha vida nas minhas mãos?

15 A inda que ele me mate, nele esperarei; mas defenderei na sua presença o meu proceder.

16 E ele será o meu Salvador, porque nenhum ímpio ousará aparecer diante dos seus olhos.

17 Ouvi as minhas palavras, dai ouvidos ao meu discorrer.

18 Se eu for julgado, sei que ei-de ser encontrado justo.

19 Quem há que queira entrar comigo em juízo? Venha : por que me consumo eu em silêncio?

20 Duas coisas sòmente te peço (ó Senhor) que me faças, e então não me esconderei da tua face:

21 Afasta de mim a tua mão, e não me consterne o teu terror.

22 Chama por mim, e eu te responderei; ou então falarei eu, e tu responde-me.

23 Quantas iniquidades e pecados tenho eu? Mostra-me as minhas maldades e delitos.

24 Por que escondes tu de mim o teu rosto, e por que me consideras teu inimigo?

25 Contra uma folha que é arrebatada ao vento, queres mostrar o teu poder, perseguir uma palha seca?

26 Com efeito, escreves contra mim amarguras, e queres-me consumir pelos pecados de minha mocidade.

27 Tu puseste os meus pés no cepo, observaste todas as minhas veredas (ou ações), consideraste os vestígios de meus pés,

28 sendo certo que eu sou consumido como podridão, como um vestido que é comido pela traça.

Capítulo 14 Ver capítulo

1 O homem, nascido da mulher, vive pouco tempo e é cheio de muitas misérias.

2 Como uma flor nasce e (logo) é cortada, e foge como a sombra, e jamais permanece num mesmo estado.

3 E tu dignas-te abrir os teus olhos sobre tal ser, e chamá-lo a juízo contigo?

4 Quem pode fazer sair o puro do impuro? Ninguém.

5 Os dias do homem são breves, em teu poder está o número dos seus meses; tu lhe fixaste os limites, que não podem ser ultrapassados.

6 Retira-te um pouco dele (deixa de o afligir) para que descanse, até que chegue o seu dia desejado como o dum jornaleiro.

7 Um a árvore tem esperança (de reviver); se for cortada, torna a reverdecer, e brotam os seus ramos.

8 Se a sua raiz envelhecer na terra, e morrer o seu tronco no pó,

9 sentindo água reverdecerá, e fará copa, como no princípio quando foi plantada.

10 Porém o homem, quando morrer fica prostrado; quando expirar, dize-me, que é dele?

11 Esgotam-se as águas dum lago, escoa-se e extingue-se:

12 assim o homem, quando dormir, não mais se levantará; até que o céu seja consumido, não despertará, nem se levantará do seu sono.

13 Quem me dera que tu me encobrisses no sepulcro, e me escondesses nele até ter passado o teu furor, e me assinalasses o tempo em que te houvesses de lembrar de mim,

14 Pensas porventura que um homem já morto tornará a viver? Todos os dias da minha milicia esperaria, até que chegasse a hora do levantamento (ou renovação, gloriosa).

15 Então me chamarias e eu te responderia, e estenderias u tua dextra para a obra das tuas mãos.

16 Em verdade tu contaste todos os meus passos, mas perdoa os meus pecados.

17 Tu selaste como num saco os meus delitos, mas curaste a minha iniquidade.

18 Um monte desmorona-se e desfaz-se, e um rochedo é trasladado do seu lugar.

19 As águas escavam as pedras, e a terra pouco a pouco se consome com as inundações: assim mesmo, pois, acabarás com o homem.

20 Tu o abates, e ele se vai, tu o desfiguras e afastas para longe.

21 Estejam os seus filhos exaltados, ou estejam abatidos, ele não o saberá.

22 A sua carne, apenas padecerá as suas dores, e ã sua alma apenas chorará sobre si mesma.

Capítulo 15 Ver capítulo

1 Então, respondendo Elifaz de Teman, disse:

2 Porventura o sábio responderá com palavras no ar, e encherá de vento o seu peito (como tu acarbas de fazer)?

3 Porventura defende-se com palavras inúteis e com razões inconsistentes?

4 Quanto é em ti, desterras o temor (de Deus), destróis a piedade de Deus devida.

5 A tua iniquidade ensinou a tua língua, e tu imitas a linguagem dos blasfemadores.

6 Não eu, mas a tua própria boca te condena, os teus lábios depõem contra ti.

7 Porventura és tu o primeiro homem que nasceu, e foste tu formado antes dos outeiros?

8 Porventura entraste tu no conselho de Deus, e tomaste posse de toda a sabedoria?

9 Que sabes tu do que nós ignoramos? Que entendes tu que nós não saibamos?

10 Também há entre nós velhos e anciãos, muito mais avançados em idade que teu pai.

11 Tens em pouca conta as consolações divinas e as doces palavras que te dirigimos?

12 Por que te ensoberbece o teu coração, que significara estes olhares violentos?

13 Por que se incha o teu espírito contra Deus, para proferires com a tua boca tão estranhas palavras ?

14 Que é o homem, para ser imaculado (aos olhos de Deus), e para parecer justo, tendo nascido duma mulher?

15 Se nem os seus mesmos santos gozam da sua confiança, se nem os céus são puros na sua presença,

16 quanto mais o homem, ser abominável e corrompido, que bebe a iniquidade como a água?

17 Eu to mostrarei, ouve-me; eu te contarei o que tenho visto,

18 o que os sábios dizem, eles que não ocultam (os ensinamentos) de seus pais,

19 - aos quais sòmente foi dada esta terra, sem que passasse nenhum estranho por meio deles. -

20 Em todos os seus dias o ímpio é atormentado, e o número dos anos do opressor é reduzido.

21 Um estrondo de terror está sempre em seus ouvidos, e, mesmo quando há paz, receia o assalto do devastador

22 Não crê que se possa voltar das trevas à luz, vendo a espada de todos os lados,

23 Anda errante à busca de pão; julga que o dia das trevas está preparado, a seu lado.

24 tribulação o aterra, e a angústia o cerca, como a um rei que se prepara para a batalha,

25 porque estendeu a sua mão contra Deus, e se fez forte contra o Omnipotente.

26 Correu contra ele, de cabeça altiva, e armou-se duma soberba inflexível.

27 A gordura cobriu o seu rosto, e a enxúndia pende-lhe das ilhargas.

28 Habitará em cidades assoladas, e em casas desertas, que estão reduzidas a moutões de ruínas.

29 Não se enriquecerá, nem os seus bens persistirão, nem lançarão as suas raízes por terra.

30 Não sairá das trevas; uma chama secará os seus ramos, e ele será arrebatado pelo sopro da boca (de Deus).

31 Não se fie na mentira, pois será enlaçado nela; a mentira será a sua recompensa.

32 Antes dos seus dias se completarem, perecerá, e as suas mãos se secarão.

33 O seu cacho será cortado, como o da vinha, ao nascer, e, como a oliveira, deixará cair a sua flor.

34 Porque a família do ímpio será estéril, e o fogo devorará as casas dos que se deixam subornar.

35 Ele concebeu o mal e deu à luz a desventura, e o seu coração prepara enganos.

Capítulo 16 Ver capítulo

1 Job, respondendo, disse:

2 Tenho ouvido muitas vezes esses discursos; todos vós sois uns consoladores aflitivos.

3 Quando terão fim esses discursos de vento? Que coisa te constrange a falar assim?

4 Eli também podia falar como vós, se vós estivésseis no meu lugar.

5 Eu também vos consolaria com lindas frases e (compassivo) moveria a minha cabeça sobre vós;

6 eu vos fortaleceria com as minhas palavras, e moveria os meus lábios, como compadecendo-me de vós.

7 Mas que farei? Se eu falar, nem por isso se aplacará a minha dor; se me calar, nem por isso ela se afastará de mim.

8 Mas agora a minha dor me oprime, e todos os meus membros estão reduzidos a nada.

9 As minhas rugas dão testemunho contra mim, um falso raciocinador levanta-se diante da minha face para me contradizer.

10 Juntou o seu furor contra mim, com olhos terríveis me olhou o meu inimigo, e, ameaçando-me, rangeu os seus dentes contra mim.

11 (Os meus amigos) abrem as suas bocas contra mim, e, ultrajando-me, ferem a minha face, todos se lançam, juntamente, contra mim.

12 Deus encerrou-me debaixo do poder do injusto, entregou-me nas mãos dos ímpios.

13 Eu estava em paz, ele arruinou-me, pegou-me pela nuca e despedaçou-me, pôs-me como alvo (dos seus tiros).

14 Cercou-me com suas lanças, atravessou-me os rins, não me perdoou, e espalhou pela terra as minhas entranhas.

15 Despedaçou-me com feridas sobre feridas, lançou-se a mim como um gigante.

16 Levo um cilício cosido sobre a minha pele, e cobri de cinza a minha carne.

17 O meu rosto inchou à força de chorar, e as minhas pálpebras escureceram-se.

18 Sofri isto sem que houvesse maldade nas minhas mãos. quando eu oferecia a Deus orações puras.

19 Ó terra, não cubras o meu sangue, nem o meu clamor ache em li lugar no qual seja sufocado.

20 A minha testemunha está no céu, e está nas alturas o meu defensor.

21 Os meus amigos escarnecem-me, mas os meus olhos recorrem a Deus, desfeitos em lágrimas.

22 Oxalá se fizesse o juízo entre Deus e o homem, (tão publicamente) como se faz o de um filho do homem com o seu semelhante!

23 Vê, pois, que os meus breves anos passam, e que eu caminho por uma vereda, pela qual não voltarei.

Capítulo 17 Ver capítulo

1 O sopro da minha vida vai-se consumindo, os meus dias se extinguem e só me resta o sepulcro

2 Cercam-me escarnecedores, os meus olhos têm de ver os seus escárnios.

3 Livra-me, Senhor, e põe-me junto de ti, e (então) combata contra mim a mão de quem quer que for.

4 Tu afastaste da inteligência o seu coração, por isso não serão exaltados.

5 Há quem prometa a presa aos companheiros, quando os olhos de seus filhos desfalecem.

6 Ele me reduziu a ser objecto de riso do povo, sou um (homem) a quem se cospe no rosto.

7 Os meus olhos escureceram-se de amargura, todos os meus membros são como uma sombra.

8 Os justos pasmam disto (que me acontece), e o inocente se levanta contra o ímpio.

9 Mas o justo persistirá no seu caminho, e aquele que tem as mãos puras crescerá em fortaleza.

10 Voltai, enfim, vós todos, vinde; não acharei entre vós nenhum sapiente?

11 Os meus dias passaram, os meus projetos ruíram, os projetos queridos do meu coração.

12 Tornam a noite em dia; em face das trevas (dizem que) a luz está próxima.

13 Ainda que eu espere com paciência, o sepulcro será a minha casa, e tenho preparado o meu leito nas trevas.

14 Eu disse à podridão: Tu és meu pai! E aos vermes: Vós sois minha mãe e minha irmã.

15 Onde está, pois, agora a minha esperança? E a minha felicidade, quem a pode ver?

16 Todas as minhas coisas descerão ao mais profundo do sepulcro; e julgas tu que eu, ao menos neste lugar, terei descanso?

Capítulo 18 Ver capítulo

1 Respondendo, Baldad de Suhé disse:

2 Até quando dirás palavras vãs? Reflete primeiro, e depois falaremos.

3 Por que nos consideras como animais, e nos tornas por estúpidos?

4 Ó tu, que no teu furor te despedaças, porventura, por causa de ti, será despovoada a terra, e serão transferidos os rochedos do seu lugar?

5 Sim, é certo que a luz (ou prosperidade) do ímpio se apagará, e que não resplandecerá a chama do seu fogo.

6 A luz se obscurecerá na sua casa, e a lâmpada (ou glória), que está sobre ele, se apagará.

7 Os seus passos firmes serão cortados, e o seu próprio conselho o precipitará.

8 Prendem-se os seus pés na rede, anda entre as suas malhas.

9 O seu pé ficará preso pelo laço, ficará fortemente apertado.

10 Está-lhe escondido debaixo da terra o laço, e ao longo da vereda a armadilha,

11 De todas as partes o amedrontarão temores, e lhe enredarão os pés.

13 A pele do seu corpo será devorada; o primogênito da morte devorará os seus membros.

14 Será arrancado da sua tenda onde se julgava seguro, e a morte, como um rei, o calcará.

15 Outros - não mais ele - habitarão na sua casa, e sobre a sua lenda se espalhará enxofre.

16 Por baixo as suas raízes secarão, e por cima serão cortados os seus ramos.

17 Á sua memória perecerá da terra, e não será celebrado o seu nome na região.

18 Será arrojado da luz para as trevas, será desterrado do mundo.

19 Não terá nem descendência nem família no seu povo, nem relíquia alguma no seu pais.

20 Os últimos pasmarão do seu dia (de ruína), e os primeiros serão invadidos pelo horror.

21 Tais serão as moradas do ímpio, tal é o lugar daquele que não conhece (nem teme) a Deus.

Capítulo 19 Ver capítulo

1 Job, respondendo, disse:

2 Até quando afligireis a minha alma, e me atormentareis com os vossos discursos?

3 Eis que já por dez vezes me injuriais, e não vos envergonhais de me oprimir.

4 Ainda que eu tenha errado, o meu erro ficará comigo.

5 Porém vós levantais-vos contra mim, aduzindo como prova os meus tormentos.

6 Entendei sequer agora que foi Deus que me oprimiu, e que me envolveu nas suas redes.

7 Eis que eu clamo padecendo violência, e ninguém me ouve, levanto a minha voz, e não há quem me faça justiça.

8 (O Senhor) por todas as partes fechou o meu caminho, e não posso passar; pôs trevas no meu caminho.

9 Despojou-me da minha glória, tirou-me a coroa da cabeça.

10 Demoliu-me por todos os lados, e pereço; desenraizou a minha esperança como (quem desenraíza) uma árvore.

11 O seu furor acendeu-se contra mim, tratou-me como seu inimigo

12 De tropel vieram as suas milicias, entrincheiraram-se no meu caminho, e cercaram a minha casa.

13 Pôs longe de mim os meus irmãos, e os meus conhecidos como estranhos se apartaram de mim.

14 Os meus vizinhos abandonaram-me, os meus íntimos esqueceram-se de mim.

15 Os que moravam em minha casa, (mesmo) as minhas servas, olharam-me como um estranho, sou como um desconhecido, a seus olhos.

16 Chamo o meu servo, e ele não me responde, vejo-me obrigado a suplicar-lhe com a minha boca.

17 Minha mulher em horror do meu hálito, e peço graça aos filhos das minhas entranhas.

18 Até os loucos me desprezam; quando me levanto, riem-se de mim.

19 Os que, noutro tempo, eram meus confidentes, têm horror de mim e aqueles a quem eu mais amava, voltam-se contra mim.

20 A’ minha pele, consumidas as carnes, pegaram-se os meus ossos, e só me restam os lábios ao redor dos meus dentes.

21 Compadecei-vos de mim, compadecei-vos de mim, ao menos vós, que sois meus amigos. porque a mão do Senhor me feriu.

22 Por que me perseguis vós como Deus, e vos fartais das minhas carnes?

23 Quem me dera que as minhas palavras fossem escritas! Quem me dera que se imprimissem num livro

24 com um ponteiro de ferro, sobre uma lâmina de chumbo, ou que, com cinzel, se gravassem na pedra!

25 Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que surgirá finalmente na terra.

26 Então, revestido da minha pele, na minha própria carne verei o meu Deus.

27 Eu mesmo o verei, os meus olhos o hão-de contemplar, e não os de outro: as minhas entranhas se consomem nesta espectativa.

28 Por que dizeis, pois agora: Perscrutemo-lo, e acharemos nele razão de o condenar?

29 Fugi da espada (de Deus). porque a espada é vingadora das iniquidades, e sabei que há uma justiça.

Capítulo 20 Ver capítulo

1 Sofar de Naama, tomando a palavra, disse:

2 Por isso os meus pensamentos me sugerem uma resposta, e estou impaciente por falar.

3 Ouvi recriminações injuriosas, mas tenho no meu espirito com que replicar.

4 Não sabes que, desde o principio, desde que o homem foi posto sobre a terra,

5 é breve a glória dos ímpios, e a alegria do ímpio dura um momento?

6 Se a sua soberba subir até ao céu, e a sua cabeça tocar nas nuvens,

7 por fim perecerá como o esterco; aqueles que o tinham visto dirão: Onde está ele?

8 Como um sonho, ele voa, e não será achado, desaparecerá como uma visão noturna.

9 Os olhos, que o tinham visto, não o verão mais, nem o verá mais a sua morada.

10 Os seus filhos indemnizarão os pobres, e as suas mãos restituirão as suas rapinas.

11 Os seus ossos estavam cheios das suas iniquidades ocultas, as quais com ele dormirão no pó.

12 Se o mal foi doce na sua boca, se o escondeu debaixo de sua língua,

13 se o reteve, sem o deixar, e o gostou no seu paladar,

14 este alimento se transformará nas suas entranhas, se converterá interiormente em fel de áspides.

15 Vomitará as riquezas, que devorou, e Deus lhas fará sair das entranhas.

16 Chupou veneno de áspides, a língua da víbora o matará.

17 Jamais veja ele as correntes de um rio, as torrentes de mel e de leite.

18 Restituirá o seu ganho sem o poder tragar, do fruto do seu comércio não gozará.

19 Porque oprimiu e despojou os pobres, roubou casas, que não edificou.

20 O seu apetite foi insaciável; e quando tiver o que cobiçava, não o poderá gozar.

21 Nada escapava á sua voracidade, e por isso não durará a sua felicidade.

22 No cúmulo da abundância, tudo lhe é pouco, e desventuras de toda a sorte desabam sobre ele.

23 Eis com que encherá o seu ventre: (Deus) enviará contra ele a ira do seu furor, e fará chover sobre ele os seus castigos.

24 Se escapar (por um lado) às armas de ferro, cairá (por outro) no arco de bronze.

25 A espada é tirada e sai da bainha, rutila e trespassa-o cruelmente; irão e virão sobre ele os terrores.

26 Todas as trevas lhe estão reservadas, devorá-lo-á um fogo, que o homem não acendeu, e consumirá o que restar da sua lenda.

27 Os céus revelarão a sua iniquidade, e a terra se levantará contra ele.

28 Desaparecerá de sua casa toda a sua abundância, desaparecerá no dia do furor de Deus.

29 Esta é a sorte reservada por Deus ao homem ímpio, esta é a herança que Deus lhe destina.

Capítulo 21 Ver capítulo

1 Job, respondendo, disse:

2 Ouvi, vos peço, as minhas palavras, dai-me, ao menos, esta consolação.

3 Sofrei que eu fale, e depois, se vos parecer, zombai das minhas palavras.

4 Porventura é com algum homem a minha disputa? Como não hei-de impacientar-me?

5 Olhai para mim, e pasmai, e ponde a mão sobre a vossa boca;

6 e eu mesmo, quando me recordo, me assombro, e estremece toda a minha carne.

7 Por que razão vivem os impios e envelhecem, aumentando á sua força?

8 Seus filhos conservam-se diante deles, uma multidão de parentes e de netos está na sua presença.

9 As suas casas estão seguras e em paz, a vara de Deus não os fere.

10 Os seus louros são sempre fecundos, as suas vacas dão à luz e não se lhes malogram as suas crias.

11 Os seus filhos saem (de casa) como manadas, os seus pequenos saltam e brincam.

12 Cantam ao som do tímpano e da citara, e alegram-se ao som da flauta.

13 Passam os seus dias em delicias, e num momento descem a o sepulcro.

14 Estes são os que disseram a Deus: Retira-te de nós, pois não queremos saber nada dos teus caminhos.

15 Quem é o Omnipotente para que o sirvamos? Que nos aproveita que lhe façamos orações?

16 Mas, porque não estão na sua mão os seus bens, longe esteja de mim o modo de pensar dos impios.

17 Quantas vezes se apagará a lucerna dos impios, lhes sobrevirá uma inundação (de males), e (Deus) na sua ira lhes repartirá as dores?

18 Serão como as palhas ao soprar do vento, e como a cinza espalhada, pelo redemoinho.

19 (Vós dizeis que) Deus reservará para os filhos a pena (merecida pelos pecados) do pai. Mas que Deus lhe dê o pago a ele, que ele próprio o tenha;

20 que os seus olhos vejam a própria ruína, e ele beba do furor do Omnipotente.

21 Pois, que se lhe dá a ele do que será feito da sua casa depois da sua morte, depois de serem cortados os seus dias?

22 Porventura poderá alguém ensinar alguma coisa a Deus, que julga os seres mais elevados?

23 Um morre em plena prosperidade, tranqüilo e feliz,

24 com os flancos cobertos de gordura, e a medula dos ossos suculenta;

25 outro, porém, morre na amargura da sua alma, sem nenhuns bens.

26 E todavia ambos dormirão igualmente no pó, e os vermes cobrem os dois.

27 Eu conheço bem os vossos pensamentos, e os vossos injustos juízos contra mim.

28 Vós dizeis: Onde está a casa deste (Job, que era como um) príncipe? Onde estão as tendas dos ímpios?

29 Perguntai a qualquer dos viandantes; não podeis desconhecer a resposta que darão.

30 No dia da desgraça, o mau é poupado, no dia da cólera escapa ao castigo.

31 Quem reprova diante dele o seu proceder? Quem lhe dará o pago do mal que fez?

32 E’ levado (honorificamente) ao sepulcro, e no seu túmulo há paz.

33 São-lhe leves os torrões do vale; arrasta atrás de si todos os homens, e diante de si uma inumerável multidão.

34 Como pois me consolais em vão, tendo-se visto que as vossas respostas se opõem à verdade?

Capítulo 22 Ver capítulo

1 Elifaz de Teman, tomando a palavra, disse:

2 Porventura pode o homem ser útil a Deus? Só a ele aproveita a sua sensatez.

3 De que serve a Deus que tu sejas justo? Que lhe acrescentas, se for imaculado o teu proceder?

4 E’ porventura pela tua piedade que ele te castiga, ou que entra contigo em juízo,

5 e não antes por causa da lua grande malícia, e das tuas inumerávis maldades?

6 Porque tu sem causa tiraste os penhores a teus irmãos, e aos nus despojaste dos seus vestidos.

7 Negaste água ao fatigado, e negaste pão ao faminto.

8 A terra é daquele que tem a mão forte, e quem se faz temer apossa-se dela.

9 Despediste as viúvas _(com as mãos)- vazias, e quebraste os braços dos órfãos.

10 Por isso estás cercado de laços, e um súbito temor te perturba,

11 no meio das trevas, sem (nada) ver, oprimido pela impetuosa inundação das águas.

12 Não ponderas tu que Deus é mais alto que o céu? Vê a fronte das estrelas, em que altura está!

13 E dizes: "Que sabe Deus? Pode ele julgar por entre trevas?

14 As nuvens o cobrem dum véu, e ele não vê; passeia pela abóbada celeste."

15 Porventura queres tu seguir o caminho antigo, que foi seguido pelos homens iníquos?

16 Eles foram arrebatados (pela morte) antes do seu tempo, quando um rio destruiu os seus fundamentos;

17 eles diziam a Deus: "Retira-te de nós; que nos pode fazer o Omnipotente?"

18 Mas era ele que havia cumulado de bens as suas casas. Esteja longe de mim o conselho dos ímpios.

19 Os justos verão (a sua ruína) e alegrar-se-ão, e o inocente escarnecerá deles (e da sua falsa doutrina):

20 Porventura não foi lançada por terra a sua soberba, e o fogo não devorou as suas relíquias?

21 Submete-te, pois, a Deus, e lerás paz, e assim colherás ótimos frutos.

22 Recebe lições da sua boca, e grava as palavras no teu coração.

23 Se voltares para o Omnipotente, de novo serás levantado, se afastares de tua casa a iniquidade.

24 Se lançares ao pó os lingotes de ouro, e o ouro de Ofir aos seixos da torrente,

25 o Omnipotente será o teu ouro, será para ti prata brilhante.

26 Então porás tuas delícias no Omnipotente, e levantarás o teu rosto para Deus.

27 Tu lhe rogarás, e ele te ouvirá, e cumprirás os teus votos.

28 Formarás os teus projetos, que terão feliz êxito, e a luz brilhará em teus caminhos.

29 Porque quem se humilha, será glorificado, e quem (arrependido) tiver abaixado os olhos, será salvo.

30 O inocente será salvo, e será salvo pela pureza das suas mãos.

Capítulo 23 Ver capítulo

1 Respondendo Job, disse:

2 Sim, hoje são cheias de amargura as minhas palavras, mas a violência da minha chaga é mais grave que os meus gemidos.

3 Quem me dera saber encontrar Deus, e chegar até ao seu trono!

4 Exporia ante ele a minha causa, e encheria a minha boca de argumentos.

5 Saberia o que ele me responderia, ouviria o que ele tivesse para me dizer.

6 Não quero que com muita fortaleza contenda comigo, nem que me oprima com o peso da sua grandeza.

7 Proponha contra mim a equidade, e a minha causa obtenha a vitória.

8 Se eu for ao Oriente, não aparece; se ao Ocidente, não o encontrarei.

9 Se o busco ao norte, não o acho, se, ao sul, não o descubro.

10 Mas ele conhece o meu caminho; se me provar, sairei puro como o ouro.

11 O meu pé seguiu as suas pisadas, eu guardei o seu caminho, e não me desviei dele.

12 Não me apartei dos preceitos de seus lábios, escondi no meu seio as palavras da sua boca,

13 Porém, quando decide uma coisa, ninguém pode frustrar os seus desígnios; e a sua vontade realiza o que quer.

14 Assim cumprirá em mim a sua vontade, e ainda tem à mão outros muitos projetos semelhantes.

15 Por isso eu estou turbado na sua presença, e, quando o considero, sou agitado de temor.

16 Deus tirou a coragem ao meu coração, e o Omnipotente me aterrou.

17 Realmente não são as trevas que me fazem perecer, nem a escuridão (das tribulações) de que está coberto o meu rosto.

Capítulo 24 Ver capítulo

1 Por que não reserva o Omnipotente para si os seus tempos, e os seus fiéis não veem os dias dele?

2 Uns invadem terrenos alheios, roubam rebanhos e os apascentam.

3 Levam o jumento dos órfãos, e tomam em penhor o boi da viúva.

4 Põem os pobres fora do caminho, e obrigam a esconder-se os humildes camponeses.

5 Outros (bons, mas pobres) como asnos monteses do deserto, saem do seu trabalho, madrugando à busca do seu pão e do pão de seus filhos.

6 Ceifando (esfomeados) o campo que não é seu, e vindimam a vasilha do ímpio.

7 Passam a noite nus, por falta de roupa, não têm com que se cobrir durante o frio.

8 São banhados pelas chuvas dos montes, e, não tendo com que se cobrir, rufugiam-se sob os rochedos.

9 Fizeram violência (os ímpios) roubando os órfãos, e despojaram os pobres.

10 Estes andam nus, por falta de roupa; levam feixes de espigas (dos senhores), e têm fome,

11 moem as zeitonas e pisam as uvas e têm sede.

12 Da cidade sobem os gemidos dos moribundos, a alma dos feridos clama vingança, e Deus não escuta as suas súplicas.

13 (Os impios) foram rebeldes à luz, não conheceram os caminhos (de Deus) não andaram pelas suas veredas.

14 O homicida levanta-se ao amanhecer, mata o mendigo e o pobre, ronda de noite como ladrão.

15 O olho do adúltero observa o escurecer e diz: Ninguém me verá, - e oculta com um véu o seu rosto.

16 Arrombam nas trevas as casas, de dia conservam-se escondidos, não conhecem a luz (mas odeiam-na).

17 Se a aurora aparece de súbito, é para eles como uma sombra de morte; são-lhes familiares os terrores da noite.

18 (O ímpio) corre veloz sobre a superfície das águas; maldita seja a sua herança sobre a terra, e não ande pelo caminho das vinhas _(nem goze os seus frutos).

19 Passe das águas da neve para um excessivo, calor, e o seu pecado vá (com ele) até aos infernos.

20 A misericórdia se esqueça dele; os vermes sejam a sua delicia; não haja dele memória. mas seja feito em pedaços como árvore que dão dá fruto.

21 Com efeito devorou (ou roubou) a estéril que não dá filhos, e não fez bem à viúva.

22 Destroçou os valentes com a sua fortaleza, mas, quando estiver em pé, não terá segura a sua vida.

23 Deus deu-lhe tempo de penitência, e ele abusa disto para se ensoberbecer, mas os olhos de Deus estão fixos nos seus caminhos.

24 Elevar-se-ão por um pouco de tempo, mas não subsistirão, e serão humilhados e arrebatados como todos os outros, e como cabeças de espigas serão cortados.

25 Se isto não é assim, quem me poderá convencer de mentira, e acusar as minhas palavras diante de Deus?

Capítulo 25 Ver capítulo

1 Então, respondendo Baldad Suita, disse:

2 O poder e o terror estão naquele que mantém a concórdia (e a harmonia) nos seus altos (céus).

3 Porventura têm número as suas (celestiais) milicias? E sobre quem é que não se levanta a sua luz?

4 Porventura pode justificar-se o homem, comparado com Deus, ou aparecer puro o que nasceu da mulher?

5 Eis que a mesma lua não tem resplendor, e as mesmas estrelas não são puras na sua presença;

6 quanto menos o homem, que é podridão, e o filho do homem, que é um verme!

Capítulo 26 Ver capítulo

1 Job respondeu assim:

2 Que auxílio deste a um fraco! Como sustentaste o braço do que não tem força!

3 Que bem aconselhaste um ignorante! Que sabedoria demonstraste!

4 A quem quiseste tu ensinar? Que espírito falou pela tua boca?

5 Até os mortos tremem debaixo da terra, os mares e os que neles moram.

6 Aberto está o inferno diante dele (Deus), e o abismo da perdição não tem nenhum véu.

7 Ele é que estende o setentrião sobre o vácuo, e o que suspende a terra sobre o nada.

8 Ele é o que prende as águas nas suas nuvens, e as nuvens não se rasgam com o seu peso.

9 Ele esconde a vista do seu trono, espalhando sobre ele as suas nuvens.

10 Pôs em roda limites às águas, até aos confins entre a luz e as trevas.

11 As colunas do céu estremecem, aterram-se às suas ameaças.

12 Com a sua fortaleza levanta os mares, com a sua sabedoria doma o monstro.

13 O seu espirito adornou os céus, e a sua mão produziu a cobra tortuosa.

14 Eis que tudo isto não é senão uma (pequena) parte das suas obras, e, se apenas temos ouvido um leve sussurro da sua palavra, quem poderá compreender o trovão da sua grandeza?

Capítulo 27 Ver capítulo

1 Em seguida Job, continuando a sua parábola, acrescentou:

2 Por Deus (o qual parece) que abandonou a minha causa (ao juízo dos homens), pelo Omnipotente, que submergiu a minha alma na amargura,

3 (juro que) enquanto em mim houver alento, enquanto Deus me conservar a respiração,

4 os meus lábios não dirão uada de injusto, nem a minha língua proferirá mentira.

5 Longe de mim o eu ter-vos por justos; enquanto eu viver, defenderei a minha inocência,

6 não abandonarei a justificação que comecei a fazer, porque o meu coração nada me reprova em toda a minha vida.

7 Seja tido como culpado o meu inimigo, e o meu adversário seja como o iníquo.

8 Qual é a esperança do ímpio, quando Deus lhe arrancar a vida?

9 Porventura ouvirá Deus o seu clamor, quando lhe sobrevier a tribulação?

10 Poderá ele deleitar-se no Omnipotente, e invocar a Deus em todo o tempo?

11 Eu vos ensinarei, com o auxilio de Deus, o que faz o Omnipotente, não vo-lo esconderei.

12 Mas todos vós já o sabeis; porque proferia inútilmente palavras vãs?

13 Esta é a sorte do homem ímpio diante de Deus, esta a herança que os violentos receberão da Omnipotente.

14 Se os teus filhos se multiplicarem, serão para a espada, e os seus netos não serão fartos de pão.

15 Os que ficarem da sua linhagem serão sepultados na sua ruína. e as suas viúvas não chorarão.

16 Se ele amontoar prata como terra, e se juntar vestidos como pó,

17 ele sim os juntará, mas o justo se vestirá com eles,

18 Fabricou como a traça a sua casa, e como o guarda fez a sua choupana.

19 O rico deita-se: é pela última vez; abre os olhos, e já não existe.

20 O terror o surpreenderá como uma inundação, de noite o arrastará a tempestade.

21 Um vento abrasador o tirará e levará, e como fim redemoinho o arrebatará do seu lugar.

22 Deus mandará sobre ele (estas coisas), e não o poupará, e ele se esforçará por fugir da sua mão.

23 Quem vir o seu lugar, baterá palmas (contra ele) e assobiará sobre ele _(escarnecendo)_.

Capítulo 28 Ver capítulo

1 A prata tem um lugar donde se extrai, o ouro um lugar próprio, onde se acrisola.

2 O ferro tira-se da terra, coisas da e a pedra, derretida no fogo, torna-se em natureza metal.

3 (O homem) põe um fim às trevas, e ele mesmo investiga o fim de todas as coisas, (mesmo) a pedra escondida na escuridão e na sombra da morte.

4 Longe dos povoados abre galerias, ignoradas dos pés dos que passam; suspenso, (em cordas, o mineiro) oscila, longe dos homens (no fundo da mina).

5 Um a terra, que produz o pão, por baixo está como fogo;

6 as suas pedras contêm safiras, e os seus torrões partículas de ouro.

7 A águia não conhece esses caminhos, e olho do abutre não os viu;

8 as feras não os trilharam, nem o leão passou por lá.

9 Estende a sua mão contra os rochedos, remexe os montes desde as suas raízes.

10 Cortando os penhascos, abre galerias, e os seus olhos vêem aí tudo o que há de precioso.

11 Investiga também a profundidade dos rios, e põe a descoberto o que estava escondido.

12 Mas a sabedoria, onde se encontra ela? Qual é o lugar da inteligência?

13 O homem não conhece o seu caminho, nem ela se encontra na terra dos mortais.

14 O abismo diz: Ela não está em mim; e o mar publica: Ela não está comigo.

15 Não é dada pelo mais puro ouro, nem é comprada a peso de prata.

16 Não se põe na balança com o ouro de Ofir, nem com o precioso berilo nem com a safira.

17 Não se lhe iguala o ouro nem o vidro (fino), e não é dada em troca por vasos de ouro;

18 O coral e o cristal não se comparam com ela; a sabedoria vale mais que as pérolas.

19 Não se lhe iguala o topázio da Etiópia, nem é comparada com o ouro mais puro.

20 Donde vem, pois, a sabedoria, e onde é que se encontra a inteligência?

21 Está escondida aos olhos de todos os viventes, até às aves do céu está oculta.

22 O inferno e a morte dizem: Aos nossos ouvidos chegou a sua fama.

23 Deus conhece o caminho para a encontrar, ele sabe onde se encontra,

24 porque ele vê até aos confins do mundo, e vê tudo o que há debaixo do céu.

25 Quando deu o seu peso aos ventos, e regulou as águas com medida,

26 quando prescreveu uma lei às chuvas e traçou um caminho aos relâmpagos,

27 então ele a viu e a mediu, e a estabeleceu e a perscrutou.

28 E disse ao homem: O temor do Senhor é a (verdadeira) sabedoria; o apartar-se do mal é a inteligência.

Capítulo 29 Ver capítulo

1 Job, continuando a sua parábola, acrescentou:

2 Quem me dera ser como fui nos meses antigos, como nos dias em que Deus me guardava,

3 quando a sua lâmpada luzia sobre a minha cabeça, e quando eu, guiado pela sua luz, caminhava (seguro) entre as trevas!

4 Como fui nos dias do meu outono, quando Deus protegia a minha casa,

5 quando o Omnipotente estava comigo, e meus filhos em volta de mim;

6 quando eu (por assim dizer) lavava os meus pés em leite, e quando a pedra derramava para mim arrolos de azeite;

7 quando eu saia até à porta da cidade, e me sentava numa cadeira na praça pública!

8 Viam-me (nessa altura) os jovens e retiravam-se (reverentes); os velhos, levantando-se, punham-se de pé.

9 Os príncipes cessavam de falar, e punham a mão sobre a sua boca.

10 Os grandes continham a sua voz, e a sua língua ficava pegada ao paladar.

11 O ouvido que me escutava, chamava-me bem-aventurado, e os olhos que me viam, davam (bom) testemunho de mim,

12 porque eu livrava o aflito suplicante, e o órfão, que não tinha quem o socorresse,

13 A bênção do que estava a perecer vinha sobre mim, e eu consolava o coração da viúva.

14 Revesti-me de justiça, e a equidade serviu-me como de vestido e de diadema.

15 Fui o olho do cego, e o pé do coxo.

16 Eu era o pai dos pobres, e as causas (dos pobres) de que eu não tinha conhecimento, informava-me delas com toda a diligência.

17 Eu quebrava as maxilas do iníquo, e tirava-lhe a presa dentre os dentes.

18 Eu dizia: Morrerei no meu ninho, e multiplicarei os dias como a areia.

19 A minha raiz estende-se ao longo das águas, e o orvalho descansa sobre os meus ramos.

20 A minha glória sempre se renovará, e o meu arco fortificar-se-á na minha mão.

21 Os que me ouviam esperavam a minha opinião, e em silêncio estavam atentos ao meu conselho.

22 Não ousavam juntar nada ás minhas palavras, e as minhas razões caíam sobre eles como orvalho.

23 Esperavam-me como a chuva, e abriam a sua boca como (faz a terra seca) às águas da primavera.

24 Se alguma vez lhes sorria, não o acreditavam, e a luz do meu rosto não caia por terra.

25 Quando ia ter com eles, sentava-me no primeiro lugar, como um rei no meio do seu exército, como um consolador dos aflitos.

Capítulo 30 Ver capítulo

1 Porém, agora zombam de mim os mais novos que eu, cujos pais noutro tempo não dignaria eu pôr com os cães do meu rebanho!

2 De que me serviria a força dos seus braços? Não têm vigor algum.

3 Mirrados pela pobreza e pela fome, roem o deserto, terra, de há muito, árida e desolada;

4 apanham ervas e cascas de árvores, alimentam-se de raízes de giesta.

5 Escorraçados do meio da sociedade, perseguidos com gritos como ladrões,

6 habitam em horríveis desfiladeiros, nas cavernas da terra, ou nos penhascos,

7 rugindo entre os silvados e reunindo-se debaixo dos espinheiros.

8 Filhos de ignóbeis e desprezíveis, são mais pisados que a terra.

9 Agora cheguei a ser o assunto das cantigas, o objecto dos escárnios destes tais.

10 Eles abominam-me, fogem para longe de mim, e não receiam cuspir-me no rosto.

11 Perdido todo o, respeito, me insultam, não se refreiam na minha presença.

12 A meu lado se levanta a gentalha, e procura caminhos para me perder.

13 Destroem as minhas veredas, preparam a minha ruína, e ninguém os contém.

14 Como por uma larga brecha, irrompem sobre mim, surgem do meio das ruínas.

15 Assaltam-me terrores, a minha prosperidade passou como vento, a minha felicidade passou como nuvem.

16 E agora dentro de mim mesmo se murcha a minha alma, e os dias de aflição apoderam-se de mim.

17 De noite os meus ossos são traspassados de dores, os (males) que me devoram, não dormem.

18 Pela sua violência, a minha veste é deformada; aperta-me como a gola da minha túnica.

19 Atirou-me ao lodo, e sou semelhante ao pó e à cinza.

20 Clamo a ti, e não me ouves, ponho-me diante de ti, e não olhas para mim.

21 Trocaste-te em severo para comigo, e cora a dureza da tua mão me combates.

22 Elevas-me, e, pondo-me sobre o vento, fazes-me debater no meio da tormenta.

23 Sei que me entregarás à morte, onde há casa estabelecida para todo o vivente.

24 Porventura o que vai perecer não estende as mãos, e, na sua infelicidade, não lança um grito?

25 Eu chorava outrora com aquele que estava aflito, e a minha alma compadecia-se do pobre.

26 Esperava bens, e vieram-me males; esperava a luz, e saíram-me trevas.

27 As minhas entranhas estão-se abrasando sem descanso algum; os dias da aflição surpreenderam-me.

28 Caminho triste, sem conforto, ponho-me a gritar no meio da multidão.

29 Sou _(como)_ irmão dos chacais e companheiro dos avestruzes.

30 A minha pele está denegrida e vai caindo, e os meus ossos secaram-se pelo ardor.

31 A minha citara trocou-se em pranto, e a minha lira em lamentos.

Capítulo 31 Ver capítulo

1 Fiz pacto com os meus olhos de não olhar (cobiçosamente) para uma virgem.

2 Porque (doutra sorte), que comunicação teria comigo Deus lá de cima, ou que parte me daria o Omnipotente da sua celestial herança?

3 Porventura não está estabelecida a perdição para o malvado, e a desventura para os que praticam a injustiça?

4 Porventura não considera ele os meus caminhos, e não conta todos os meus passos?

5 Se caminhei na falsidade, se o meu pé se apressou para o engano,

6 pese-me Deus em sua balança justa, e conhecerá a minha integridade.

7 Se os meus pés se desviaram do (bom) caminho, se o meu coração seguiu os meus olhos, se às minhas mãos se pegou qualquer mácula,

8 semeie eu, e outro o coma. e sejam as minhas plantações arrancadas.

9 Se o meu coração foi seduzido por uma mulher, e se andei a vigiar (para cometer adultério) à porta do meu amigo,

10 seja minha mulher desonrada por outro, seja entregue à paixão de outros.

11 Porque este é um pecado vergonhoso, uma grave maldade,

12 é um fogo que consome até ao extermínio, e que destruiria todo o bem que juntei.

13 Se eu desprezei as razões do meu servo ou da minha serva, quando eles disputavam contra mim,

14 que será de mim quando Deus se levantar para me julgar? Quando me interrogar, que lhe responderei?

15 Porventura o que me formou no ventre materno não o criou também a ele, e não foi o mesmo Deus que nos formou no ventre materno?

16 Porventura neguei aos pobres o que pediam, e deixei desfalecer os olhos da viúva,

17 ou comi sózinho o meu bocado de pão, e o órfão não comeu dele?

18 Com efeito, desde a minha infância cresceu comigo a comiseração, e do ventre de minha mãe saiu comigo.

19 Se desprezei o que perecia, porque não linha de que vestir-se, e o pobre que não tinha com que cobrir-se,

20 se os seus membros me não abençoaram, ele _(o pobre)- não se aqueceu com a lã das minhas ovelhas;

21 se levantei a minha mão contra o órfão, ainda quando me via superior, (administrando justiça) à porta (da cidade),

22 caia o meu ombro da sua juntura, e quebre-se o meu braço com os seus ossos.

23 Porque eu sempre temi a mão de Deus, e nunca pude suportar o peso da sua majestade.

24 Não julguei que o ouro era a minha força, não disse ao ouro mais puro: tu és a minha confiança;

25 não me alegrei com as minhas grandes riquezas, com os grandes bens que juntei pela minha mão;

26 Se via o sol quando brilhava, e a lua quando caminhava na sua claridade (considerando-os como deuses),

27 porventura o meu coração sentiu algum oculto contentamento, e beijei a minha mão com a minha boca (em sinal de adoração)?

28 Isso seria uma grandíssima iniquidade, seria renunciar ao Deus altíssimo.

29 Acaso me alegrei com a ruína daquele que odiava, e exultei com o mal que lhe sobreveio?

30 (Não, não foi assim), pois, não permiti que a minha língua pecasse, demandando com imprecações a sua morte.

31 Acaso as pessoas da minha casa não diziam: Quem há que se não tenha saciado (com o pão) da sua mesa?

32 O peregrino não passava a noite fora, a minha porta estava sempre aberta ao viandante.

33 Nunca encobri, como homem, o meu pecado, ocultando no meu coração a minha iniquidade,

34 por temor da grande assembleia, ou com receio do desprezo dos meus parentes, a ponto de me conservar em silêncio, sem sair da minha porta.

35 Quem me dera um que (desapaixonadamente) me ouvisse! Eis a minha assinatura: que o Omnipotente me responda! Que o meu adversário escreva também o seu libelo de acusação!

36 Levá-lo-ei sobre os meus ombros, e cingirei a minha fronte com ele, como com um diadema!

37 Cada um dos meus passos contarei (a Deus, meu juiz), e apresentar-me-ia a ele, (sem receio) como um príncipe.

38 (Finalmente) se a terra que eu possuo clama contra mim. e se os seus sulcos choram com ela,

39 se comi seus frutos sem pagamento, se afligi o coração dos que a cultivaram,

40 ela me produza abrolhos em lugar de trigo, e espinhos em lugar de cevada. (Findaram as palavras de Job).

Capítulo 32 Ver capítulo

1 Por fim estes três homens cessaram de responder a Job, porque se tinha por justo.

2 Então Eliú, filho de Baraquel de Buz, da família de Ram, encheu-se de indignação, e irritou-se contra Job, porque este dizia que era justo diante de Deus.

3 Irritou-se também contra os seus amigos, por não terem achado resposta conveniente para lhe dar, e por, apesar disso, o haverem condenado.

4 Eliú havia esperado calado, enquanto eles falavam com Job, porquanto eram mais velhos.

5 Mas, quando viu que os três não lhe puderam responder, indignou-se fortemente.

6 Então, tomando a palavra Eliú, filho de Baraquel de Buz, disse: Sou novo ainda, e vós já velhos; portanto, abaixando a minha cabeça, não me atrevi a expor-vos o meu parecer.

7 Eu esperava que falasse (com argumentos sólidos) a idade mais madura, e que os muitos anos ensinassem a sabedoria,

8 Sentido deste versículo: Deus deu aos homens uma alma racional capaz de compreender a verdade, mas a verdadeira sabedoria provém de uma inspiração particular do mesmo Deus.

9 Mas, pelo que vejo, é o espirito de Deus nos homens, é a inspiração do Omnipotente que dá a inteligência.

10 Não são sábios os de muita idade, nem os anciãos os que julgam o que é justo.

11 Portanto falarei: Ouvi-me, eu vos mostrarei também o meu pensamento.

12 Falarei, e respirarei um pouco; abrirei os meus lábios, e responderei.

13 Não farei aceitação de pessoa, não adularei seja quem for.

14 Não sei usar circunlóquios, e por um pouco me suportará o meu Criador.

Capítulo 33 Ver capítulo

1 Ouve, pois, Job, as minhas palavras, escuta todos os meus discursos.

2 Eis que abri a minha boca, fale a minha língua sob o meu palato.

3 O meu coração dará palavras sapientes, os meus lábios proferirão palavras claras.

4 O espirito de Deus me fez, e o sopro do Omnipotente me deu a vida.

5 Se podes, responde-me, ergue-te e aguenta-te contra mim.

6 Deus me fez a mim, como a ti, do mesmo barro também eu fui formado.

7 Pelo que nada há de maravilhoso em mim que te espante, e o meu peso não te esmagará.

8 Ora disseste aos meus ouvidos, e ouvi o som destas tuas palavras:

9 "Eu estou limpo e sem pecado; estou sem mácula, em mim não há iniquidade.

10 Deus achou queixas contra mim, por isso me considerou como seu inimigo.

11 Pôs os meus pés no cepo, observou todas as minhas veredas."

12 Nisto pois (ó Job) mostraste que não és justo, porque Deus é maior do que o homem.

13 Por que te queixas dele, pelo facto de não dar razão de tudo o que faz?

14 Deus fala de um modo, fala de outro, mas o homem não o entende.

15 Em sonho, em visão noturna, quando o sono cai sobre os homens, quando estão dormindo no seu leito,

16 então (Deus) abre os ouvidos dos homens, e, com as suas censuras os aterra,

17 para os apartar do mal, para os livrar da soberba,

18 para salvar a sua alma da corrupção, e a sua vida de um fim desastrado.

19 (Deus) corrige também o homem, por meio das dores no seu leito, quando faz que todos os seus ossos se mirrem,

20 Neste estado se lhe torna aborrecido o pão, e o manjar que noutro tempo a sua alma apetecia.

21 Vai-se consumindo a sua carne, e os ossos, que tinham estado cobertos, se descobrem.

22 A sua alma aproximou-se do sepulcro, a sua vida dos horrores da morte.

23 Se houver algum anjo, um entre milhares, que fale a seu favor, que instrua o homem no seu dever,

24 Se compadeça dele e diga: "Livra-o, para que não desça à corrupção; encontrei o resgate (da sua vida)",

25 - a sua carne reverdecerá mais que na juventude, voltará aos dias da adolescência.

26 Ele suplicará a Deus, e Deus se aplacará, mostrar-lhe-à com júbilo a sua face, e dará ao homem o seu direito.

27 Ele se voltará para os (outros) homens e dirá; Pequei, violei a justiça, e não fui castigado como merecia.

28 Deus livrou a minha alma de cair na morte, e a minha vida volta a ver a luz.

29 Ora Deus faz todas estas coisas, duas ou três vezes, em cada homem,

30 para retirar a sua alma da corrupção, e para a esclarecer com a luz dos viventes.

31 Atende, Job, e ouve-me; cala-te, enquanto eu falo.

32 Se contudo tens alguma coisa a dizer, responde-me, fala, porque eu quero dar-te razão.

33 Mas, se nada tens (que responder), ouve-me; cala-te, e eu te ensinarei a sabedoria.

Capítulo 34 Ver capítulo

1 Continuando, pois, Eliú o seu discurso, disse:

2 Ouvi, sábios, as minhas palavras, eruditos, prestai-me atenção,

3 porque o ouvido julga as palavras, assim como o paladar distingue os manjares pelo gosto.

4 Examinemos entre nós a causa, e vejamos de comum acordo o que seja melhor.

5 Job disse: Eu sou justo, e Deus recusa-me justiço,

6 Padeço, contra o meu direito, atroz é a minha chaga, sem eu ter pecado algum.

7 Que homem há (pois) semelhante a Job, que bebe o escárnio como água,

8 que anda com os que cometem a iniquidade, que caminha com os homens impios?

9 Porque ele disse: Não aproveita ao homem estar de bem com Deus.

10 Vós, pois, ó homens sensatos, ouvi-me: Longe de Deus a iniquidade! Longe do Omnipotente a injustiça!

11 Em verdade ele dá ao homem segundo as suas obras, recompensa cada um segundo o seu proceder.

12 De certo Deus não condena sem razão, nem o Omnipotente atropela a justiça.

13 Quem lhe deu a terra para ele a governar? Quem fez o mundo inteiro?

14 Se ele(Deus) chamasse a si_ o seu espírito, se retraísse o seu sopro e o seu alento;

15 toda a carne perecera num instante, e o homem voltaria ao pó.

16 Portanto, se tens entendimento, ouve isto, escuta o som das minhas palavras.

17 Acaso poderia governar, aquele que não ama a justiça? Como condenas tu, pois, afoutamente aquele que é sumamente justo?

19 Não faz aceitação da pessoa dos poderosos, não antepõe o rico ao pobre, porque todos são obra das suas mãos.

20 Deus não teme os grandes.

20 Eles morrerão de improviso, desaparecerão; no meio da noite os povos se sublevarão, e derrubarão o tirano sem esforço.

21 Com efeito os olhos de Deus estão Sobre os caminhos dos homens, ele considera todos os seus passos.

22 Não há trevas, e não bá sombra de morte, onde possam esconder-se os que praticam a iniquidade.

23 (Deus) não precisa de olhar um homem duas vezes, para o citar a comparecer no seu tribunal.

24 Abate os poderosos, sem andar em averiguações, e põe outros em seu lugar.

25 Conhecedor das suas obras, derruba-os numa noite, e eles ficam aniquilados.

26 Fere-os como ímpios, à vista de todos,

27 porque se apartaram dele, não quiseram conhecer os seus caminhos,

28 de sorte que fizeram com que chegasse até ele o clamor do oprimido, e lhe fizeram ouvir a voz dos pobres.

29 Se ele se cala, quem há que o condene? Se esconde o seu rosto, quem o poderá contemplar, quer se trate das nações, quer de um particular?

30 Ele não deixa que o impio reine, que o povo fique sujeito a tropeçar.

31 E, já que falei de Deus, também te não estorvarei a ti de falar.

32 Se eu errei, corrigi-me, se falei com iniquidade, não direi mais nada.

33 Porventura pedir-te-á Deus conta do que eu falei, que te desagradou? mas tu foste o primeiro a falar, e não eu; e, se sabes coisa melhor, dize-a.

34 Falem-me homens atilados, assim conto o homem sábio que me escuta.

35 Job falou nèsciamente, as sua palavras não foram acertadas.

36 Oxalá que seja provado Job até ao fim, pelas suas respostas de homem iníquo,

37 porque ao seu pecado junta a revolta; bate palmas contra nós, e multiplica queixas contra Deus.

Capítulo 35 Ver capítulo

1 Eliú, falando de novo, disse:

2 Parece-te porventura justo o teu pensamento, quando disseste: Eu tenho razão contra Deus?

3 Ou quando disseste: de que me serve a minha inocência, que vantagem tirei de não pecar?

4 Eu, portanto, responderei aos teus discursos e aos teus amigos contigo.

5 Levanta os olhos ao céu e vê, contempla como o firmamento é mais alto que tu.

6 Se pecares, que dano farás tu a Deus? Se as tuas iniquidades se multiplicarem, que prejuízo lhe causarás?

7 Se obrares com justiça, que proveito lhe darás ou que receberá ele da lua mão?

8 A tua impiedade só poderá fazer mal a um homem, que é teu semelhante; a tua justiça só poderá ser útil ao afilho do homem.

9 Eles (os oprimidos) clamam por causa da gravidade da opressão, e lamentam-se por causa da violência do braço dos tiranos.

10 Mas nenhum disse: Onde está o Deus que me criou, que inspira cânticos de júbilo em plena noite;

11 que nos instrui mais que aos animais da terra, e nos ilustra mais que às aves do céu?

12 Clamam então, e Deus não os ouve por causa da soberba dos maus.

13 Deus não ouve gritos vãos o Omnipotente não os atende.

14 Ainda quando tenhas dito: "(Deus") não atende", - a (tua) causa está já diante dele, espera o seu julgamento.

15 Mas, agora, porque a sua cólera ainda se não manifestou, há motivo para dizer que ele não faz caso do crime?

16 Logo Job em vão abriu a sua boca, insensatamente multiplicou palavras.

Capítulo 36 Ver capítulo

1 Eliú, continuando, disse:

2 Suporta-me um pouco, e eu me explicarei contigo, porque ainda tenho que falar em defesa de Deus.

3 Tornarei a pegar no discurso desde o principio, e provarei que o meu criador é justo.

4 Verdadeiramente os meus discursos são sem mentira; far-te-ei ver que a (minha) doutrina é sólida.

5 Deus é poderoso, mas não desdenhoso. é poderoso pela sua ciência,

6 Não deixa florescer os ímpios, e faz justiça aos pobres.

7 Não tirará (nunca) os seus olhos dos justos, e, ao fim, os colocará, com os reis, sobre o trono, numa glória eterna.

8 E, se estiverem em cadeias, atados com os laços da pobreza,

9 ele lhes fará ver as suas obras, as suas maldades, cometidas por orgulho.

10 Abrir-lhes-ã os ouvidos à correção e lhes falará para que se convertam da sua iniquidade.

11 Se ouvirem e obedecerem, acabarão os seus dias na felicidade, os seus anos em delícias.

12 Porém, se não ouvirem, serão passados à espada, e perecerão na sua cegueira.

13 Os corações impios entregam-se à cólera, não clamam a Deus, quando se vêem aprisionados.

14 Morrerão em plena juventude, e a sua vida acabará como a dos dissolutos.

15 Pelo contrário Deus livra o pobre, pela sua angústia, e abre-lhe o ouvido com a tribulação,

16 Ele te salvará (ó Job) do abismo estreito da angústia e te porá ao largo, em plena liberdade, (se te converteres), e tu repousarás à tua mesa cheia de gordas viandas.

17 Mas se seguires as vias do impio, suportarás a sentença e o castigo.

18 Não te leve, pois, a ira, ao arrebatamento, nem te faça desanimar a grandeza da expiação.

19 Poderá tirar-te da angústia o teu clamor, e todos os teus vigorosos esforços?

20 Não suspires pela noite (da morte), na qual entram os povos, um após outro.

21 Guarda-te de declinares para a iniquidade, ainda que a abraçasses, levado pela miséria.

22 Olha como Deus é excelso na sua fortaleza. Quem, como ele, é terrível?

23 Quem lhe prescreveu normas de conduta? Ou quem poderá dizer-lhe: Tu fizeste mal?

24 Lembra-te que deves celebrar a sua obra, a qual tantos homens cantaram.

25 Todos os homens o vêem, mas cada um o vê de longe.

26 Com efeito. Deus é grande e ultrapassa toda a nossa ciência, o número dos seus anos é incalculável.

27 Ele atrai as gotas de água, e derrama-as em (forma de) chuva, na cerração.

28 Caem dás nuvens, abundantemente sobre os homens.

29 Quem compreende a extensão das nuvens, os fragores do pavilhão (do Altíssimo)?

30 Ele estende em volta de si a sua luz desde o alto, e cobre as extremidades do mar.

31 Por meio destas coisas exerce os seus juízos sobre os povos, e alimenta abundantemente os mortais (fecundando a terra),

32 Nas suas mãos esconde a luz, e manda-lhe que torne de novo.

33 Faz conhecer a quem ama, que ele é possessão sua, e que pode subir até ela.

Capítulo 37 Ver capítulo

1 Por isto se espantou o meu coração, e (como que) se moveu do seu lugar.

2 Ouvi, ouvi a sua voz terrível, o som que sai da sua boca.

3 Ele o espalha na imensidão dos céus, e a sua luz chega às extremidades da terra.

4 Depois (do relâmpago) ruge o trovão, ribomba com a sua voz majestosa; nada pode deter os raios, quando for ouvida a sua voz.

5 Deus troveja maravilhosamente com a sua voz, ele faz coisas grandes e impenetráveis.

6 Ele manda à neve que caia sobre a terra, e às chuvas copiosas, que sejam fortes.

7 Ele põe um selo sobre a mão de todos os homens, para que cada um conheça as suas obras.

8 A fera mete-se no seu esconderijo, e fica na sua cova.

9 Do austro sai a tempestade, e o frio do setentrião.

10 O gelo forma-se ao sopro de Deus, e depois derramam-se as águas em abundância.

11 Carrega de vapores as nuvens, e as nuvens (com relâmpagos) espalham a sua luz,

12 em todas as direções, girando por onde quer que as conduz a vontade daquele que as governa, executando tudo quanto ele lhes manda sobre a face de toda a terra,

13 quer para castigo do mundo, quer para seu beneficio.

14 Ouve, Job, estas coisas: pára e considera as maravilhas de Deus.

15 Sabes tu porventura como ele as opera, como faz brilhar o relâmpago nas suas nuvens?

16 Porventura conheces como se equilibram no ar as nuvens, e os prodígios daquele que tudo sabe?

17 Como é que as tuas vestes se aquecem, quando o vento do meio-dia sopra sobre a terra?

18 Formaste tu porventura juntamente com ele os céus, que são tão sólidos como um espelho de bronze!

19 (Se é assim) mostra-nos o que lhe poderemos dizer, porque nós, envolvidos em trevas, não sabemos.

20 Quem lhe referirá o que eu digo? Se um homem se atrever a falar, ficará oprimido.

21 Agora (os homens) não vêem a luz, (porque) o ar repentinamente se condensa em nuvens; mas (daqui a um instante, já poderão ver, porque) um vento que passa as dissipará.

22 Do setentrião vem áureo resplendor, e Deus veste-se de terrível majestade.

23 Não podemos alcançar o Omnipotente: ele é grande em fortaleza, em equidade, em sua justiça, não responde a ninguém.

24 Por isso os homens o temerão! Ele não olha para os que se julgam sábios.

Capítulo 38 Ver capítulo

1 Então o Senhor falou a Job, do meio dum redemoinho, dizendo:

2 Quem é este que obscurece assim a Providência, com discursos insipientes?

3 Cinge os teus rins como um homem; interrogar-te-ei, e responder-me-ás.

4 Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Di-lo, se o sabes.

5 Sabes quem fixou as medidas para ela? Quem estendeu sobre ela a régua?

6 Sobre que foram firmadas as suas bases, ou quem assentou a sua pedra angular,

7 quando os astros da manhã, em coro, me louvavam, e quando todos os filhos de Deus (os anjos) aplaudiam jubilosos?

8 Quem pôs diques ao mar, quando ele irrompia do seio materno,

9 quando eu punha as nuvens por sua vestidura, e o envolvia em neblinas espessas, como em faixas,

10 quando lhe marquei limites, pondo-lhe portas e ferrolhos,

11 e lhe disse: Até aqui chegarás, mas daqui não passarás: aqui quebrarás a soberba das tuas ondas?

12 Porventura tu, depois do teu nascimento, deste lei à luz da manhã? Acaso marcaste à aurora o seu lugar,

13 para que ocupe os extremos da terra e sacuda dela os malfeitores?

14 Ela (a terra) se transforma como a argila sob o selo, e se mostra como coberta com um vestido.

15 E’ tirada aos impios a sua luz (que é a noite) e quebra-se o seu braço altivo (erguido para o crime).

16 Porventura entraste tu até ao fundo do mar, e andaste passeando no mais profundo do abismo?

17 Porventura foram-te abertas as portas da morte, viste essas portas tenebrosas?

18 Consideraste toda a extensão da terra? Declara-me, se sabes, todas estas coisas.

19 Qual o caminho para as moradas da luz, e qual é o lugar das trevas?

20 Saberás levá-las aos seus lugares, reconhecer as veredas da sua casa?

21 Deves saber, com certeza, porque então já eras nascido, tão grande é o número dos teus dias...

22 Eu traste porventura nos depósitos da neve, ou viste os depósitos da saraiva,

23 que eu preparei para o tempo da angústia, para o dia da guerra e da batalha?

24 Por que caminho se difunde a luz, e se espalha o vento (quente) do oriente sobro a terra?

25 Quem abriu caminho á inundação, e rasgou estradas aos fogos tonitruantes,

26 para fazer chover sobre uma terra sem habitantes, sobre um deserto, onde nenhum homem mora,

27 para alagar uma terra árida e desolada, e fazer germinar a erva verde?

28 A chuva tem pai? Quem produziu as gotas do orvalho?

29 De que seio saiu a geada, e quem gerou o gelo do céu?

30 As águas endurecem-se como pedra, e a superfície do abismo (do mar) torna-se sólida.

31 E’s tu porventura que fazes aparecer as constelações, a seu tempo, e girar a Ursa com os seus filhos?

32 Conheces, acaso, as leis do céu, regulas a sua influência sobre a terra?

33 Podes levantar a tua voz até às nuvens, e fazer vir sobre ti um dilúvio de água?

34 Porventura mandarás os relâmpagos, e eles irão, dizendo-te: Aqui estamos?

35 Porventura mandarás os relâmpagos, e eles irão, dizendo-te: Aqui estamos?

36 Quem pus sabedoria nas nuvens, e inteligência nos meteoros?

37 Quem pode contar exatamente as nuvens e inclinar as urnas do céu,

38 para o pó se tornar em massa, e os torrões (com a água) aderirem uns aos outros?

39 Porventura caçarás tu presa para a leoa, e saciarás a fome dos seus cachorros,

40 quando estes estão deitados nos seus covis, ou à espreita nas suas brenhas?

41 Quem prepara ao corvo o seu sustento, quando os seus filhinhos gritam para Deus, indo dum lado para o outro (do ninho) por não terem que comer?

Capítulo 39 Ver capítulo

1 Porventura conheces o tempo em que as cabras montesas dão à luz nos rechedos, ou observaste o parto das corsas?

2 Contaste os meses da sua gravidez, e sabes o tempo do seu parto?

3 Encurvam-se para darem à luz a sua cria, e (assim) se livram das suas dores.

4 Tornam-se vigorosos os seus filhos, crescem nos campos, saem, e não voltam para junto delas.

5 Quem pôs o asno montês em liberdade, e quem soltou as suas prisões?

6 Dei-lhe uma casa no deserto, lugar onde albergar-se em terra estéril.

7 Ele despreza o tumulto da cidade, e dão ouve os gritos de um patrão duro.

8 Vagueia pelos montes onde pasta, anda buscando tudo o que está verde.

9 Porventura quererá o búfalo servir-te, ou ficará ele no teu estábulo?

10 Acaso prendê-lo-ás ao teu arado para lavrar, ou será ele que atrás de ti quebra os torrões dos teus vales?

11 Porventura terás confiança na sua grande força, e lhe deixarás o cuidado da tua lavoura ?

12 Porventura fiarás dele que te torne o que semeaste, e que te encha a tua eira?

13 A pena da avestruz é semelhante às penas da cegonha e do falcão.

14 Ele abandona por terra os seus ovos, deixa-os aquecer sobre a areia,

15 não pensando que algum pé lhos pisará, ou que algum animal do campo lhos quebrará.

16 E’ cruel com seus filhos, como se não foram seus, e não se inquieta com que seja (possa ser) vã a sua fadiga.

17 Deus negou-lhe a sabedoria, não lhe deu inteligência.

18 Mas, quando chega a ocasião, levanta ao alto o voo, e faz zombaria do cavalo e do cavaleiro.

19 E’s tu que dás fortaleza ao cavalo, que circundas o seu pescoço de crina flutuante?

20 E’s tu que o ensinas a saltar como o gafanhoto? o fogoso respirar das suas ventas faz terror,

21 Escava a terra com o seu casco, salta com brio, corre ao encontro dos (inimigos) armados.

22 Ri-se do medo, nada o aterra, não retrocede diante da espada.

23 Sobre ele fará ruido á aljava, cintilará a lança e o escudo;

24 espumando e relinchando (como que) devora a terra, e não faz caso do som da trombeta.

25 Ouvindo o clarim, (como que) diz: Avancemos! Fareja de longe a batalha, a exortação dos capitães e o alarido do exército.

26 Acaso o açor levanta o voo pela tua sabedoria, estendendo as suas asas para o meio-dia?

27 Porventura ao teu mandado se remontará a águia, e porá o seu ninho em Lugares altos?

28 Mora nos rochedos, aí passa a noite, nos penhasco escarpados, no alto das rochas inacessíveis.

29 Dali espreita a sua presa; os seus olhos descobrem muito ao longe.

30 Os seus filhinhos chupam o sangue, e ela, onde houver carne morta, logo se encontra.

31 O Senhor, dirigindo-se a Job, acrescentou:

32 Porventura o censor do Omnipotente quer disputar com ele? Que aquele, que censura a Deus, responda.

33 Job, porém, respondendo ao Senhor, disse:

34 Eu, desprezível como sou, que coisa posso responder? Ponho a minha mão sobre a minha boca.

35 Uma coisa disse - oxalá não tivesse dito! - e uma outra também, às quais nada mais acrescentarei.

Capítulo 40 Ver capítulo

1 Respondendo o Senhor a Job, do meio do remoinho, disse:

2 Cinge os teus rins como homem; eu te interrogarei, e me responderás.

3 Porventura queres reduzir a nada a minha justiça, e condenar-me a mim, para te justificares a ti?

4 Se tu tens um braço (forte) como Deus, e trovejas com voz semelhante,

5 reveste-te de grandeza e majestade, cobre-te de esplendor e de glória.

6 Lança, em torrentes, a lua ira, e humilha os arrogantes com um. só olhar.

7 Com um só olhar humilha os soberbos, aniquila os ímpios no seu lugar.

8 Sepulta-os todos juntos no pó, mergulha em trevas a sua face.

9 Então eu próprio confessarei que a tua dextra poderá salvar-te.

10 Considera o Beemot, criado por mim, como tu, ele come feno como o boi.

11 A sua fortaleza está nos seus lombos, e o seu vigor nos músculos dos seus flancos.

12 Levanta a sua cauda como cedro, os nervos dos seus músculos estão entrelaçados uns nos outros.

13 Os seus ossos são como canas de bronze, a sua estrutura é de barras de ferro.

14 É obra-prima de Deus; aquele que o fez, dotou-o de uma espada.

15 Os montes produzem-lhe ervas; e todos os animais do campo vêm retouçar ali (junto dele).

16 Dorme à sombra dos lotos, no retiro dos canaviais dos pântanos.

17 Os lotos o cobrem com a sua sombra, os salgueiros da torrente o circundam,

18 Se o rio crescer, ele não se espanta; ainda que um Jordão lhe chegue à garganta, fica tranquilo.

19 Quem poderá apanhá-lo de frente, e atravessar-lhe as narinas com laços?

20 Porventura poderás tirar com anzol o Leviatan, e ligar a sua língua com uma corda?

21 Porventura porás uma argola nos teus narizes, ou furarás a sua queixada com um anel?

22 Porventura multiplicará os rogos diante de ti, ou te dirá palavras ternas?

23 Porventura fará ele concerto contigo, e recebê-lo-ás tu por escravo para sempre?

24 Porventura brincarás com ele como com um pássaro ou o atarás para divertir teus filhos?

25 Colhê-lo-ão os pescadores em suas redes, dividi-lo-ão os negociantes?

26 Crivarás de dardos a sua pele, espetarás o arpão na sua cabeça?

27 Põe a tua mão sobre ele: ficarás escarmentado, não tornarás a fazê-lo.

28 Eis que (quem quiser capturar tal monstro) se enganará nas suas esperanças; a vista (do monstro) bastará para o aterrar.

Capítulo 41 Ver capítulo

1 Ninguém se atreve a provocá-lo, nem sequer pode estar firme, diante dele.

2 Quem me deu a mim alguma coisa antes, para que eu lenha de retribuir-lhe? Tudo o que hã debaixo do céu, é meu.

3 Não calarei (a glória de) seus membros, direi o seu vigor incomparável.

4 Quem, jamais, ergueu os bordos de sua couraça, ou explorou a dupla fila doe seus dentes?

5 Quem abriu as portas da sua boca? Em volta dos seus dentes está o terror.

6 O seu dorso é uma armação de escudos, apinhoado de escamas que se apertam.

7 Uma está unida à outra, de sorte que nem o vento passa por entre elas:

8 uma adere à outra, tão perfeitamente, que, de maneira nenhuma, se separarão.

9 O seu espirrar é flamejante os seus olhos como pálpebras da aurora.

10 Da sua boca saem chamas, saltam centelhas de fogo.

11 Das suas narinas sai fumo, como duma panela que ferve entre chamas.

12 O seu hálito faz incendiar os carvões, da sua boca sai uma chama.

13 No seu pescoço está a força, e diante dele salta o terror.

14 Os membros do seu corpo estão bem unidos entre si; cairão raios sobre ele, e não o farão mover para outro lugar.

15 O seu coração é duro como pedra, sólido como a mó inferior dum moinho.

16 Quando se levanta (sobre as águas) temem os mais fortes, o terror os faz desfalecer.

17 Se alguém o assalta, a espada (que o toca) não resiste, nem a lança, nem o dardo, nem a flecha,

18 pois o ferro é para ele como palha, e o bronze como um pau podre.

19 Não o fará fugir o frecheiro, as pedras da funda se tornarão para ele em palhas.

20 Reputará o martelo como palheira, e rir-se-á do brandir da lança,

21 O seu ventre é guarnecido como que de bocados ponteagudos de telha, é como uma grade que passa sobre o lodo.

22 Fará ferver o abismo como uma panela, e o torna como um vaso de perfumes em ebulição.

23 Deixa atrás de si uma esteira branca, faz parecer que o abismo (das águas que ele atravessa) tem cabelos brancos.

24 Não há poder sobre a terra que se compare, pois foi feito para não ler medo de nada.

25 Olha sobranceiramente tudo o que é elevado, ele é o rei dos mais altivos animais.

Capítulo 42 Ver capítulo

1 Respondendo Job ao Senhor, disse:

2 Sei que podes tudo, e que nenhum projeto é, para ti, demasiado difícil.

3 Quem é este que, falto de ciência, encobre o conselho (de Deus)? (Confesso que) falei nèsciamente, sobre coisas que me ultrapassam e que eu ignoro.

4 "Ouve, e eu falarei, interrogar-te-ei, e responder-me-às."

5 Os meus ouvidos haviam escutado falar de ti, mas agora os meus próprios olhos te vêem.

6 Por isso acuso-me a mim mesmo, e faço penitência no pó e na cinza.

7 O Senhor, depois que falou naquela sorte de Job, disse a Elifaz de Teman: O meu furor se acendeu contra ti e contra os teus dois amigos, porque vós não falastes de mim, retamente, como falou o meu servo Job.

8 Tomai, pois, sete touros e sete carneiros, e ide ao meu servo Job. Oferecei um holocausto por vós; o meu servo Job orará por vós. Admitirei propicio a sua intercessão para que se vos não impute esta estulticia, porque vós não falastes de mim o que era recto, como o meu servo Job.

9 Foram pois, Elifaz de Teman, Baldad de Subé, e Sofar de Naama, e fizeram como o Senhor lhes tinha dito, e o Senhor atendeu a Job.

10 O Senhor também se deixou mover à vista da penitência de Job, quando orava pelos seus amigos, e deu-lhe o duplo de tudo o que ele antes possuía,

11 Foram ter com ele todos os seus irmãos, todas as suas irmãs e todos os que antes o tinham conhecido, comeram com ele em sua casa. Moveram sobre ele a cabeça (em sinal de terna compaixão) e consolaram-no de todas as tribulações que o Senhor lhe tinha enviado. Cada um deles deu-lhe uma peça de prata e um anel de ouro.

12 E o Senhor abençoou Job no seu último estado muito mais do que no primeiro. Job chegou a ter catorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de bois e mil jumentas.

13 Teve também sete filhos e três filhas.

14 A ’ primeira pôs o nome de Jemima, à segunda o de Ketsia, e à terceira Kereu-Happouk.

15 Não houve em toda a terra mulheres tão formosas como as filhas de Job, e seu pai deu-lhes herança entre seus irmãos.

16 Depois disto viveu Job cento e quarenta anos, e viu seus filhos e os filhos de seus filhos até à quarta geração. Depois morreu, velho e saciado de dias.

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