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Jó - Livro Completo
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Capítulo 1 Ver capítulo

1 Havia, na terra de Hus, um homem chamado Jó. Era homem íntegro e reto, que temia a Deus e mantinha-se afastado do mal.

2 Nasceram-lhe sete filhos e três filhas.

3 Possuía sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois, quinhentas jumentas e uma grande quantidade de escravos. Este homem era o mais rico dentre todos os habitantes do Oriente.

4 Seus filhos tinham o costume de ir à casa uns dos outros, alternadamente, para se banquetearem, e convidavam suas três irmãs para comer e beber com eles.

5 Quando acabava a série dos dias de banquetes, Jó mandava chamar seus filhos para purificá-los e, na manhã do dia seguinte, oferecia holocaustos por intenção de cada um deles: “porque – dizia ele –, talvez meus filhos tenham pecado e amaldiçoado a Deus em seu coração”. Assim fazia Jó sempre.*

6 Um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, veio também Satanás entre eles.*

7 O Senhor disse-lhe: “De onde vens tu?”. “Andei dando volta pelo mundo – disse Satanás – e passeando por ele”.

8 O Senhor disse-lhe: “Notaste o meu servo Jó? Não há outro igual a ele na terra. É um homem íntegro e reto, temente a Deus e se mantém longe do mal”.

9 Mas o Satanás respondeu ao Senhor: “É a troco de nada que Jó teme a Deus?

10 Não cercaste, qual uma muralha, a sua pessoa, a sua casa e todos os seus bens? Abençoaste tudo quanto ele fez e seus rebanhos cobriram toda a região.

11 Mas estende a tua mão e toca em tudo o que ele possui. Juro-te que te amaldiçoará na tua face”.

12 “Pois bem!” – respondeu o Senhor. “Tudo o que ele possui está em teu poder. Mas não estendas a tua mão contra a sua pessoa.” E o Satanás saiu da presença do Senhor.

13 Ora, um dia em que os filhos e filhas de Jó estavam à mesa e bebiam vinho em casa do irmão mais velho,

14 um mensageiro veio dizer a Jó: “Os bois lavravam e as jumentas pastavam perto deles.

15 De repente, apareceram os sabeus e roubaram tudo, passando a fio de espada seus escravos. Só eu escapei para trazer-te a notícia”.

16 Estando ele ainda a falar, veio outro e disse: “O fogo de Deus caiu do céu; queimou, consumiu as ovelhas e também os escravos. Só eu escapei para trazer-te a notícia”.

17 Ainda este falava, e eis que chegou outro e disse: “Os caldeus, divididos em três bandos, lançaram-se sobre os camelos e os levaram embora, depois de passarem a fio de espada os escravos. Só eu escapei para trazer-te a notícia!”.

18 Ainda este estava falando, e eis que entrou outro e disse: “Teus filhos e filhas estavam comendo e bebendo vinho na casa do irmão mais velho,

19 quando um furacão se levantou de repente do deserto, abalou os quatro cantos da casa e esta desabou sobre os jovens. Morreram todos. Só eu escapei para trazer-te a notícia”.

20 Jó então se levantou. Rasgou seu manto e rapou a cabeça. Depois, caindo prostrado por terra,

21 disse: “Nu saí do ventre de minha mãe, nu voltarei. O Senhor deu, o Senhor tirou: bendito seja o nome do Senhor!”.*

22 Em tudo isso, Jó não cometeu pecado algum, nem proferiu contra Deus blasfêmia alguma.

Capítulo 2 Ver capítulo

1 Ora, um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, Satanás apareceu também no meio deles na presença do Senhor.

2 O Senhor disse-lhe: “De onde vens tu?”. “Andei dando volta pelo mundo – respondeu Satanás – e passeando por ele”.

3 O Senhor disse-lhe: “Notaste o meu servo Jó? Não há ninguém igual a ele na terra! É um homem íntegro e reto, temente a Deus e se mantém longe do mal. Ele persevera sempre em sua integridade e foi em vão que me incitaste a perdê-lo”.

4 “Pele por pele!” – respondeu Satanás –. “O homem dá tudo o que possui para salvar a própria vida.

5 Mas estende a tua mão e toca-lhe nos ossos e na carne. Juro que te renegará em tua face.”

6 O Senhor disse a Satanás: “Pois bem! Ele está em teu poder, poupa-lhe apenas a vida”.

7 O Satanás retirou-se da presença do Senhor e feriu Jó com uma úlcera maligna, desde a planta dos pés até o alto da cabeça.

8 E Jó pegou um caco de telha para se coçar, e assentou-se sobre um monte de cinzas.

9 Sua mulher disse-lhe: “Persistes ainda em tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre!”.

10 “Falas – respondeu-lhe ele – como uma insensata. Se aceitamos de Deus a felicidade, não deveríamos também aceitar a infelicidade?” Em tudo isso, Jó não pecou por palavras.

11 Três amigos de Jó – Elifaz de Temã, Baldad de Suás e Sofar de Naamat – souberam de todo o mal que lhe tinha sucedido, vieram cada um de sua terra e combinaram ir juntos exprimir sua simpatia e suas consolações.

12 Quando o avistaram de longe, não o reconheceram. Puseram-se então a chorar, rasgaram as vestes e lançaram para o céu poeira, que recaía sobre suas cabeças.

13 Ficaram sentados no chão ao lado dele durante sete dias e sete noites, sem que nenhum lhe dirigisse uma palavra, tão grande era a dor em que o viam mergulhado.

Capítulo 3 Ver capítulo

1 Enfim, Jó abriu a boca e amaldiçoou o dia de seu nascimento.

2 Jó falou nestes termos:

3 “Pereça o dia em que nasci e a noite em que foi dito: ‘Nasceu um menino!’.

4 Que esse dia se torne em trevas! Que Deus, lá do alto, não se incomode com ele, que a luz não brilhe sobre ele!

5 Que trevas e obscuridade se apoderem dele, que nuvens o envolvam, que eclipses o apavorem,

6 que a sombra o domine. Esse dia, que não seja contado entre os dias do ano, nem seja computado entre os meses!*

7 Que seja estéril essa noite, que nenhum grito de alegria se faça ouvir nela.

8 Que a amaldiçoem os que amaldiçoam o dia, aqueles que são hábeis para evocar Leviatã!*

9 Que as estrelas de sua madrugada se obscureçam, em vão espere a luz e não veja abrirem-se as pálpebras da aurora.

10 Pois não me fechou as portas do ventre que me carregou para me poupar a vista do mal!

11 Por que não morri ainda no seio materno, ou pereci ao sair das entranhas?

12 Por que dois joelhos me acolheram, e dois seios me amamentaram?

13 Estaria agora deitado e em paz, dormiria e teria o repouso

14 com os reis, árbitros da terra, que constroem para si mausoléus;

15 ou estaria entre os príncipes que possuíam o ouro, e enchiam de dinheiro as suas casas.

16 Ou, então, como o aborto escondido, eu não teria existido, como as crianças que não viram a luz.*

17 Ali, os ímpios cessam os seus furores, ali, repousam os exaustos de forças.*

18 Ali, os prisioneiros estão tranquilos, já não mais ouvem a voz do capataz.

19 Ali, juntos, os pequenos e os grandes se encontram, o escravo ali está livre do jugo do seu senhor.

20 Por que concede ele a luz aos infelizes e a vida àqueles cuja alma está desconsolada,

21 que esperam pela morte sem que ela venha, e a procuram mais ardentemente do que um tesouro,

22 que se alegrariam intensamente diante do sepulcro?

23 Ao homem, cujo caminho está oculto, a quem Deus cerca de todos os lados?

24 Em lugar do pão tenho o soluço, e os meus gemidos se espalham como a água.

25 Todos os meus temores se realizam, e aquilo que me dá medo vem atingir-me.

26 Não tenho paz, nem descanso, nem repouso; o que vem é agitação”.

Capítulo 4 Ver capítulo

1 Elifaz de Temã tomou a palavra nestes termos:

2 “Se arriscarmos uma palavra, talvez ficarás aflito, mas quem poderá impedir-me de falar?

3 A muitos ensinaste, deste força a mãos frágeis.

4 Tuas palavras levantavam aqueles que caíam, fortificaste os joelhos vacilantes.

5 Agora que é a tua vez, enfraqueces; quando és atingido, te perturbas.

6 Não estava a tua confiança na tua piedade, e a tua esperança na integridade de tua conduta?

7 Lembra-te: Qual o inocente que pereceu? Ou quando foram destruídos os justos?

8 Tanto quanto eu saiba, os que praticam a iniquidade e os que semeiam sofrimento também os colhem.

9 Ao sopro de Deus eles perecem e são aniquilados pelo vento de seu furor.

10 Urra o leão e seu rugido é abafado, os dentes dos leõezinhos são quebrados.*

11 A fera morre porque não tinha presa e os filhotes da leoa se dispersam.

12 Uma palavra chegou a mim furtivamente, e meu ouvido percebeu o murmúrio.

13 Na confusão das visões da noite e na hora em que o sono se apodera das pessoas.

14 Surpreenderam-me o medo e o terror e sacudiram todos os meus ossos.

15 Um sopro perpassou meu rosto e fez arrepiar o pêlo do meu corpo.

16 Lá estava um ser – não lhe vi o rosto – como um espectro sob meus olhos.

17 Ouvi uma frágil voz: ‘Pode o homem ser justo na presença de Deus, pode o mortal ser puro diante do seu Criador?*

18 Ele não confia nem nos seus próprios servos; até mesmo nos seus anjos encontra defeito,

19 quanto mais nos seus hóspedes em casas de barro, que têm o pó por fundamento! São esmagados como a traça.*

20 Entre a manhã e a tarde são aniquilados; sem que neles se preste atenção, morrem para sempre.

21 Não foi arrancada a estaca da tenda deles? Morrem sem terem conhecido a sabedoria’.”

Capítulo 5 Ver capítulo

1 Chama para ver se te respondem! A qual dos santos te dirigirás?*

2 O desgosto mata o insensato e a inveja leva o tolo à morte.

3 Vi o insensato criar raízes, e de repente sua morada apodreceu.

4 Seus filhos são privados de qualquer socorro, são pisados à porta, ninguém os defende.

5 O faminto come sua colheita e a leva embora, por detrás da cerca de espinhos, e os sequiosos engolem seus bens.

6 Pois o mal não sai do pó, nem o sofrimento brota da terra.

7 É o homem que causa o sofrimento, como as faíscas voam para o alto.*

8 Por isso, eu rogarei a Deus, apresentarei minha súplica ao Senhor.

9 Ele faz coisas grandes e insondáveis, maravilhas incalculáveis.

10 Espalha a chuva sobre a terra e derrama água sobre os campos;

11 exalta os humildes e dá nova alegria aos que estão de luto;

12 frustra os projetos dos maus, cujas mãos não podem executar os planos.

13 Apanha os sábios em suas próprias manhas, e os projetos dos astutos se tornam prematuros.*

14 Em pleno dia encontram as trevas, e andam às apalpadelas ao meio-dia como se fosse noite.

15 Salva o fraco da espada da língua deles, e o pobre da mão do poderoso.

16 Volta a esperança ao infeliz, e é fechada a boca da iniquidade.

17 Bem-aventurado o homem a quem Deus corrige! Não desprezes a lição do Todo-poderoso.

18 Pois ele fere e cuida; se golpeia, sua mão cura.

19 Seis vezes te salvará da angústia, e, na sétima, o mal não te atingirá.

20 No tempo de fome, te preservará da morte, e, no combate, do poder da espada.

21 Estarás a coberto dos açoites da língua e não terás medo quando vires a ruína.*

22 Rirás das calamidades e da fome, não temerás as feras selvagens.

23 Farás um pacto com as pedras do campo, e os animais selvagens viverão em paz contigo.

24 Dentro de tua tenda conhecerás a paz; visitarás tuas terras, onde nada faltará.

25 Verás tua posteridade multiplicar-se e teus descendentes crescerem como a erva da terra.

26 Entrarás maduro no sepulcro, como um feixe de trigo que se recolhe a seu tempo.

27 Eis o que observamos. Assim é! Escuta e tira proveito!

Capítulo 6 Ver capítulo

1 Jó tomou a palavra nestes termos:

2 “Ah! Se pudessem pesar minha aflição e pôr na balança com ela meu infortúnio!

3 Ela seria mais pesada que a areia do mar: eis por que minhas palavras são desvairadas.

4 As setas do Todo-poderoso estão cravadas em mim e meu espírito bebe o veneno delas. Os terrores de Deus me assediam.

5 Porventura zurra o asno montês, quando tem erva? Muge o boi junto de sua forragem?

6 Come-se uma coisa insípida sem pôr sal? Pode alguém saborear aquilo que não tem gosto algum?

7 Minha alma recusa-se a tocar nisso, meu coração está desgostoso.

8 Quem me dera que meu voto se cumpra, e que Deus realize o que eu espero!

9 Que Deus consinta em esmagar-me, que deixe suas mãos cortarem meus dias!

10 Teria pelo menos um consolo, e eu exultaria em seu impiedoso tormento, por não ter renegado as palavras do Santo.

11 Qual é a minha força para esperar? Qual é meu fim, para me portar com paciência?

12 Será que tenho a força das pedras, ou será de bronze minha carne?

13 Não encontro socorro algum, qualquer esperança de salvação me foi tirada.

14 Recusar a piedade a um amigo é abandonar o temor do Todo-poderoso.*

15 Meus irmãos são traiçoeiros como a torrente, como as águas das torrentes que somem.

16 Rolam agitadas pelo gelo, empoçam-se com a neve derretida.

17 No tempo da seca, elas se esgotam, ao vir o calor, seu leito seca.

18 As caravanas se desviam de sua rota, penetram no deserto e perecem.*

19 As caravanas de Temã espreitavam e os comboios de Sabá contavam com elas.

20 Ficaram transtornados nas suas suposições; chegando ao lugar, ficaram confusos.

21 É assim que falhais em cumprir o que de vós se esperava nesta hora; a vista de meu infortúnio vos aterroriza.

22 Porventura, disse-vos eu: ‘Dai-me qualquer coisa de vossos bens, dai-me presentes,

23 livrai-me da mão do inimigo e tirai-me do poder dos violentos?’.

24 Ensinai-me, e me calarei, mostrai-me em que falhei!

25 Como são eficazes os discursos sensatos! Mas em que podereis surpreender-me?

26 Pretendeis censurar palavras? Palavras desesperadas, leva-as o vento.

27 Seríeis capazes de leiloar até mesmo um órfão e traficar até mesmo um amigo.

28 Vamos, peço-vos, olhai para mim face a face e não mentirei.

29 Voltai atrás e não sejais injustos; vinde: estou inocente nessa questão.

30 Haverá iniquidade em minha língua? Meu paladar não sabe discernir o mal?

Capítulo 7 Ver capítulo

1 Não é, acaso, uma luta a vida do homem sobre a terra? Seus dias não são como os de um mercenário?

2 Como um escravo que suspira pela sombra, e um assalariado que aguarda o pagamento,

3 assim também tive por sorte meses de sofrimento e noites de dor me couberam por partilha.

4 Apenas me deito, digo: ‘Quando chegará o dia?’. Logo que me levanto: ‘Quando chegará a noite?’. E até a noite me farto de angústias.

5 Minha carne se cobre de podridão e de imundície, minha pele racha e supura.

6 Meus dias passam mais depressa do que a lançadeira, e se desvanecem sem deixar esperança.

7 Lembra-te de que minha vida nada mais é do que um sopro, de que meus olhos não mais verão a felicidade;*

8 o olho que me via não mais me verá, o teu me procurará, e já não existirei.

9 A nuvem se dissipa e passa, assim quem desce à região dos mortos não subirá de novo.

10 Não voltará mais à sua casa, sua morada não mais o reconhecerá.

11 E por isso não reprimirei minha língua; falarei na angústia do meu espírito, farei queixa na tristeza de minha alma.

12 Porventura, sou eu o mar, ou algum monstro marinho, para me teres posto um guarda contra mim?

13 Se eu disser: ‘Meu leito me consolará e minha cama me aliviará’,

14 então me aterrarás com sonhos, e me assustarás com visões.

15 Preferiria ser estrangulado; antes a morte do que meus tormentos!

16 Sucumbo, deixo de viver para sempre! Deixa-me em paz, pois meus dias são apenas um sopro!

17 O que é o homem para fazeres tanto caso dele, para te dignares ocupar-te dele,*

18 para visitá-lo todas as manhãs e prová-lo a cada instante?

19 Quando cessarás de olhar para mim, sem dar-me tempo de engolir minha saliva?

20 Se pequei, que mal te fiz, ó guarda dos homens? Por que me tomaste por alvo e me tornei pesado para ti?

21 Por que não toleras meu pecado e não apagas minha culpa? Eis que vou logo me deitar por terra; tu me procurarás, já não existirei”.

Capítulo 8 Ver capítulo

1 Bildad de Suás tomou a palavra e disse:

2 Até quando dirás semelhantes coisas, e tuas palavras serão como um furacão?

3 Porventura Deus fará curvar o que é reto? E o Todo-poderoso subverterá a justiça?

4 Se teus filhos o ofenderam, ele os entregou às consequências de suas culpas.*

5 Se recorreres a Deus, e implorares ao Todo-poderoso,

6 se fores puro e reto, ele atenderá a tua oração e restaurará a morada de tua justiça.

7 Teu começo parecerá pouca coisa diante da grandeza do que se seguirá.*

8 Interroga, pois, as gerações passadas e examina com cuidado a experiência dos antepassados.

9 Porque somos de ontem e nada sabemos, e nossos dias sobre a terra passam como a sombra.

10 Elas podem instruir-te, falar-te e de seu coração tirar estas palavras:

11 “Pode o papiro crescer fora do brejo ou o junco germinar sem água?

12 Verde ainda, e sem ser colhido, ele seca antes de todas as ervas.

13 Assim acabam todos os que esquecem de Deus, pois a esperança do ímpio perecerá.

14 A sua confiança será quebrada e a sua segurança é teia de aranha.

15 Ele se apoia sobre uma casa que não se sustenta, atém-se a uma morada que não se mantém de pé.

16 Cheio de vigor, ao sol, faz brotar seus ramos em seu jardim.

17 Suas raízes se entrelaçam num montão de pedras e penetram entre as rochas.

18 Mas se é arrancado de seu lugar, este o renega e diz: ‘Não te conheço!’.

19 Eis onde termina seu destino, e outros germinarão do solo”.

20 De fato, Deus não rejeita o homem íntegro, nem dá a mão aos malvados.*

21 Ele porá de novo o riso em tua boca e em teus lábios, gritos de alegria.

22 Teus inimigos serão cobertos de vergonha e a tenda dos maus desaparecerá.

Capítulo 9 Ver capítulo

1 Jó tomou a palavra nestes termos:

2 “Sim, bem sei que é assim. Como poderia o homem ter razão diante de Deus?

3 Se quisesse disputar com ele, não lhe responderia uma vez entre mil.

4 Deus é sábio de coração e poderoso em força; quem pode afrontá-lo impunemente?

5 Ele transporta os montes, sem que o percebam; ele os desmorona em sua cólera.

6 Sacode a terra em sua base e suas colunas são abaladas.

7 Dá ordem ao sol que não se levante e põe um selo nas estrelas.*

8 Ele sozinho formou a extensão do céu e caminha sobre as alturas do mar.*

9 Ele criou a Ursa e o Órion, as Plêiades e as constelações austrais.

10 Fez maravilhas insondáveis e prodígios incalculáveis.

11 Ele passa despercebido perto de mim, toca levemente em mim, e não o percebo.

12 Quem poderá impedi-lo de arrebatar uma presa? Quem lhe dirá: ‘Que é que fazes?’.

13 Deus não retém o seu furor; diante dele jazem prosternados os auxiliares de Raab.*

14 Quem sou eu para replicar-lhe, para escolher argumentos contra ele?

15 Ainda que eu tivesse razão não poderia responder. Pediria clemência ao meu juiz.

16 Se eu o chamasse e ele não me respondesse, não acreditaria que tivesse ouvido a minha voz.

17 Ele, que me desfaz como um redemoinho, e multiplica minhas feridas sem manifestar o motivo,

18 não me deixa tomar fôlego, de tanto me fartar de amarguras.

19 Se se busca a fortaleza, é ele o forte! Se se busca o direito, quem o citará?

20 Se eu pretendesse ser justo, minha boca me condenaria; se fosse inocente, ela me declararia perverso.

21 Sou íntegro? Sim, eu o sou. Pouco me importa a vida. Aliás, desprezo a minha vida.

22 Para mim tudo é a mesma coisa. É por isso que eu disse que ele faz perecer o íntegro como o ímpio.

23 Se, de repente, um flagelo causa a morte, ele se ri do desespero dos inocentes.

24 A terra está entregue nas mãos do ímpio, e ele cobre com um véu os olhos de seus juízes… Se não é ele, quem será?

25 Os dias de minha vida são mais rápidos do que um corcel, fogem sem ter visto a felicidade.

26 Passam como os barcos de junco, como a águia que se precipita sobre a presa.

27 Se decido esquecer minha queixa, abandonar meu ar triste e voltar a ser alegre,

28 temo por todos os meus tormentos, sabendo que não me absolverás!

29 Tenho certeza de ser condenado! O que me adianta cansar-me em vão?

30 Por mais que me lavasse com águas de neve, que limpasse minhas mãos na lixívia,

31 tu me atirarias na imundície e as minhas próprias vestes teriam nojo de mim.

32 Ele não é um humano como eu a quem possa responder, com quem eu possa comparecer na justiça.

33 Pois que não há entre nós um árbitro que ponha sua mão sobre nós dois.

34 Que Deus retire seu chicote de cima de mim, para pôr um termo a seus medonhos terrores.

35 Então lhe falarei sem medo; pois, estou só comigo mesmo.*

Capítulo 10 Ver capítulo

1 A minha alma está desgostosa da vida. Dou livre curso ao meu lamento; falarei na amargura de meu coração.

2 Em lugar de me condenar, direi a Deus: ‘Mostra-me por que razão me tratas assim.

3 Encontras prazer em me oprimir, em renegar a obra de tuas mãos, em favorecer os planos dos maus?

4 Terás porventura olhos de carne, ou vês as coisas como as veem os seres humanos?*

5 Serão os teus dias como os de um mortal e teus anos como os de um humano,

6 para que procures a minha culpa e persigas o meu pecado?

7 No entanto, sabes que não sou culpado e que ninguém me pode livrar de tuas mãos.

8 As tuas mãos formaram-me e fizeram-me; mudando de ideia, queres me destruir!

9 Lembra-te de que me formaste como o barro, e agora queres devolver-me ao pó?

10 Não me derramaste como leite e me coalhaste como um queijo?*

11 De pele e carne me vestiste, de ossos e nervos me teceste.

12 Concedeste-me vida e misericórdia e tua providência conservou o meu espírito.

13 Contudo, eis o que escondias em teu coração, vejo bem o que meditavas.

14 Se peco, me observas, não perdoarás o meu pecado.

15 Se eu for culpado, ai de mim! Se for inocente, não ousarei levantar a cabeça, farto de vergonha e consciente de minha miséria.

16 Esgotado, me caças como um leão. Não cessas de desfraldar contra mim teu estranho poder.

17 Renovas contra mim teus assaltos, teu furor cresce contra mim e vigorosas tropas vêm-me cercar.

18 Por que me tiraste do ventre materno? Tivesse morrido, nenhum olho me teria visto.

19 Teria sido como se nunca tivesse existido, do ventre me teriam levado ao túmulo’.

20 Não são bem curtos os dias de minha vida? Que ele me deixe respirar um instante,

21 antes que eu parta, para não mais voltar, ao tenebroso país das sombras da morte,

22 opaca e sombria região, reino de sombra e de caos, onde a noite faz as vezes de claridade”.

Capítulo 11 Ver capítulo

1 Então, Sofar de Naamat tomou a palavra nestes termos:

2 “Ficará sem resposta o que fala muito? Terá razão o grande falador?

3 Tua loquacidade fará calar os demais? Zombarás sem que ninguém te repreenda?

4 Dizes: ‘Minha opinião é a verdadeira, sou puro aos teus olhos’.

5 Oxalá Deus pudesse falar e abrir seus lábios para te responder.

6 Se te revelasse os mistérios da sabedoria, que são ambíguos para o espírito, saberias então que Deus esquece uma parte de tua iniquidade.*

7 Pretendes sondar as profundezas divinas, atingir a perfeição do Todo-poderoso?

8 Ela é mais alta do que o céu! Que podes tu fazer? É mais profunda que os infernos! Que podes tu saber?

9 É mais longa que a terra, mais larga que o mar.

10 Se ele surge para aprisionar, se apela à justiça, quem o impedirá?

11 Pois ele conhece os malfeitores, descobre a iniquidade, presta atenção.

12 Diante disso, uma pessoa insensata pode criar juízo, e um asno tornar-se criatura humana.*

13 Se voltares teu coração para Deus, e para ele estenderes os braços;

14 se afastares de tuas mãos o mal e não abrigares a iniquidade debaixo de tua tenda,

15 então poderás erguer a fronte sem mancha; serás estável, sem mais nenhum temor.

16 Esquecerás daí por diante as tuas penas, como águas que passaram, serão apenas uma lembrança.

17 O futuro te será mais brilhante do que o meio-dia, as trevas se transformarão em aurora.

18 Terás confiança e ficarás cheio de esperança. Olhando em volta de ti, dormirás tranquilo.

19 Repousarás sem que ninguém te inquiete e muitos acariciarão o teu rosto.

20 Porém, os olhos dos maus serão consumidos, para eles, nenhum refúgio, e não terão outra esperança senão em seu último suspiro”.

Capítulo 12 Ver capítulo

1 Jó tomou a palavra nestes termos:

2 “Sois mesmo gente muito hábil, e convosco morrerá a sabedoria!

3 Tenho também o espírito como o vosso, e não vos sou inferior! Quem, pois, ignoraria o que sabeis?

4 Os amigos escarnecem daquele que invoca a Deus, para que ele lhe responda. Sim, zombam do justo e do inocente.

5 ‘Vergonha para a infelicidade!’ – assim pensam os felizes. Só há desprezo para aquele cujo pé fraqueja.

6 As tendas dos bandidos gozam de paz, e segurança para aqueles que provocam a Deus, que não têm outro Deus senão o próprio braço.

7 Pergunta, pois, aos animais da terra, eles te ensinarão; e às aves do céu, e elas te instruirão.

8 Fala aos répteis da terra, e eles te responderão, e aos peixes do mar, e eles te contarão.

9 Entre todos esses seres, quem não sabe que foi a mão de Deus que fez tudo isso?’*

10 Ele que tem em mãos a alma de tudo o que vive e o sopro de vida de todo o gênero humano.

11 Não discerne o ouvido as palavras, como o paladar discerne o sabor da comida?

12 A sabedoria pertence aos cabelos brancos, e à longa vida confere a inteligência.

13 Em Deus residem a sabedoria e o poder. Ele possui o conselho e a inteligência.

14 O que ele destrói não será reconstruído, se aprisionar um homem, ninguém há que o solte.

15 Quando faz as águas pararem, há seca; se as soltar, submergirão a terra.

16 Nele há força e prudência; ele conhece o que engana e o enganado.

17 Faz os árbitros andarem descalços e torna os juízes estúpidos.

18 Ele desata a cinta dos reis e cinge-lhes os rins com uma corda.

19 Ele faz os sacerdotes andar descalços e abate os poderosos.

20 Ele tira a palavra aos mais seguros de si mesmos e retira a sabedoria dos anciãos.

21 Ele derrama desprezo sobre os nobres e afrouxa a cinta dos fortes.

22 Ele põe a claro os segredos das trevas e traz à luz a sombra da morte.

23 Ele torna grandes as nações e as destrói, multiplica os povos e depois os suprime.

24 Ele tira a razão dos chefes da terra, e os deixa perdidos no deserto sem pista.

25 Andam às apalpadelas nas trevas, privados da luz, tropeçando como um ébrio.

Capítulo 13 Ver capítulo

1 Meus olhos viram todas essas coisas, meus ouvidos as ouviram e as guardaram.

2 Aquilo que sabeis, eu também o sei, pois não vos sou inferior em nada.

3 Mas é com o Todo-poderoso que eu desejaria falar, com Deus é que eu desejaria discutir.

4 Pois vós não sois mais que impostores, não sois senão curandeiros que não prestam para nada.

5 Se pudésseis guardar silêncio, seríeis considerados sábios.

6 Escutai, pois, a minha defesa, atendei aos quesitos que vou anunciar.

7 Para defender a Deus, ireis dizer mentiras. Será preciso enganardes em seu favor?

8 Tereis, para com ele, juízos preconcebidos e vos ostenteis em ser seus advogados?

9 Não seria bom que ele vos examinasse? Iríeis enganá-lo como se engana uma pessoa qualquer?

10 Ele não deixará de vos castigar, se tomardes seu partido ocultamente.

11 Sua majestade não vos atemorizará? Seus terrores não vos esmagarão?

12 Vossos argumentos são como provérbios de cinza, vossas defesas são obras de barro.

13 Calai-vos! Deixai-me! Quero falar: aconteça depois o que acontecer!

14 Lacero a minha carne com os meus dentes, ponho minha vida em minha mão.*

15 Se ele me mata, nada mais tenho a esperar; assim mesmo, defenderei minha causa diante dele.

16 Isso já será a minha salvação, que o ímpio não seja admitido em sua presença.

17 Escutai bem meu discurso, dai ouvido às minhas explicações!

18 Estou pronto para defender minha causa e sei que sou eu quem tem razão.

19 Se alguém quiser demandar contra mim, no mesmo instante desejarei calar e morrer!

20 Poupai-me apenas duas coisas, ó Deus, e não me esconderei de tua face:*

21 afasta de mim a tua mão, e põe um termo ao medo de teus terrores.

22 Chama por mim e eu te responderei; ou, então, falarei eu, e tu terás a réplica.

23 Quantas faltas e pecados cometi eu? Dá-me a conhecer minhas faltas e minhas ofensas!

24 Por que escondes de mim a tua face e por que me consideras como um inimigo?

25 Queres, então, assustar uma folha carregada pelo vento, ou perseguir uma palha seca?

26 Pois queres ditar contra mim sentenças amargas, e queres que me sejam imputadas as faltas de minha mocidade.

27 Queres prender os meus pés no cepo, espiar todos os meus passos e contar os rastos de meus pés.

28 (E ele se gasta como um pau bichado, como um tecido devorado pela traça).*

Capítulo 14 Ver capítulo

1 O homem nascido de mulher vive pouco tempo e é cheio de misérias.

2 É como a flor que germina e logo fenece, uma sombra que foge sem parar.

3 E é sobre ele que abres os olhos, e o chamas a juízo contigo!

4 Quem fará sair o puro do impuro? Ninguém!

5 Se seus dias estão contados, se em teu poder está o número dos seus meses, e fixado um limite que ele não ultrapassará,

6 afasta dele os teus olhos e deixa-o, até que acabe o seu dia como o operário.

7 Para a árvore há esperança: cortada, pode reverdecer e os seus ramos brotam.

8 Quando sua raiz tiver envelhecido na terra e seu tronco estiver morto no solo,

9 ao contato com a água, reverdece e distenderá ramos como uma planta nova.

10 Mas quando o homem morre, fica inerte; o mortal expira, e o que é feito dele?

11 As águas podem faltar nos lagos, o rio pode secar e sumir,

12 assim o homem se deita para não mais levantar. Durante toda a duração do céu, ele não despertará, jamais sairá de seu sono.

13 Quem me dera que me escondesses na região dos mortos, ao abrigo, até que tua cólera tivesse passado, e me fixasses um limite em que te lembrasses de mim!

14 O homem, uma vez morto, porventura tornará a viver? Todo o tempo de meu combate eu esperaria, até que me vies sem substituir.

15 Tu me chamarias e eu te responderia; estenderias a tua destra para a obra de tuas mãos.

16 Mas agora contas os meus passos e observas todos os meus pecados.

17 Tu selaste como numa bolsa os meus crimes, puseste um sinal sobre minhas iniquidades.*

18 Mas a montanha desmorona e cai, e o rochedo muda de lugar;

19 as águas escavam as pedras, o aluvião leva a terra móvel: assim aniquilas a esperança do homem.

20 Tu o pões por terra, e ele se vai embora para sempre; tu o desfiguras e o expulsas.

21 Estejam os seus filhos honrados, e ele não o sabe; sejam eles humilhados, mas ele não faz caso.

22 É somente por ele que sua carne sofre, e sua alma só se lamenta por ele”.

Capítulo 15 Ver capítulo

1 Elifaz de Temã tomou a palavra nestes termos:

2 “Porventura, responde um sábio como se falasse ao vento e enche de ar o seu ventre?

3 Defende-se ele com argumentos fúteis e com palavras que não servem para nada?

4 Acabarás destruindo a piedade, reduzes a nada o respeito devido a Deus.

5 É a tua iniquidade que inspira teus discursos e adotas a linguagem dos impostores.

6 É a tua boca que te condena, e não eu; são teus lábios que dão testemunho contra ti mesmo.

7 Acaso, és o primeiro homem que nasceu, e foste tu gerado antes das colinas?

8 Assististe, porventura, ao conselho de Deus e monopolizaste a sabedoria?

9 Que sabes tu, que nós ignoremos? Que aprendeste, que não nos seja familiar?

10 Há entre nós também anciãos e encanecidos, muito mais avançados em dias do que teu pai.

11 Fazes pouco caso das consolações divinas e das doces palavras que te são dirigidas?

12 Por que te deixas levar pelo impulso de teu coração, e o que significam esses maus-olhares?

13 É contra Deus que ousas encolerizar-te e que tua boca profere tais discursos?

14 Que é o homem para que seja puro? Pode ser justo o que nasce de mulher?

15 Nem mesmo em seus santos Deus confia, nem os céus são puros a seus olhos!*

16 Quanto menos um ser abominável e corrompido, um homem que bebe a iniquidade como água!

17 Ouve-me! Vou instruir-te. Eu te contarei o que vi,

18 aquilo que os sábios ensinam, aquilo que seus pais não lhes ocultaram.

19 A eles somente foi dada terra, e no meio dos quais não tinha penetrado estrangeiro algum.

20 Em todos os dias de sua vida o mau é atormentado, os anos do opressor são em número restrito.

21 Ruídos terrificantes ressoam-lhe aos ouvidos, no seio da paz, lhe sobrevém o destruidor.

22 Ele não espera escapar das trevas, está destinado à espada.

23 Anda vagando à procura de pão, mas onde? Ele sabe que o dia das trevas está a seu lado.

24 A tribulação e a angústia vêm sobre ele como um rei que vai para o combate.

25 Pois estendeu a mão contra Deus e desafiou o Todo-poderoso.

26 Investiu contra ele com a cabeça levantada, por trás da grossura de seus escudos.

27 Cobriu de gordura o seu rosto e deixou a gordura ajuntar-se sobre seus rins.

28 Habitou em cidades desoladas, em casas que foram abandonadas, destinadas a se tornarem em ruínas.

29 Mas não se enriquecerá, nem os seus bens resistirão, não mais estenderá sua sombra sobre a terra.

30 Não escapará das trevas; o fogo queimará seus ramos e sua flor será levada pelo vento.

31 E não se fie na mentira: ficará prisioneiro dela, pois a mentira será a sua recompensa.

32 Suas ramagens secarão antes da hora, seus ramos não tornarão a ficar verdes.

33 Como a vinha, sacudirá seus frutos verdes, e, como a oliveira, deixará cair a flor.

34 Pois a raça dos ímpios é estéril, e um fogo devorará as tendas dos corruptos.

35 Quem concebe o mal gera a infelicidade: é o engano que amadurece em seu seio”.

Capítulo 16 Ver capítulo

1 Jó respondeu então nestes termos:

2 “Já ouvi muitas vezes discursos semelhantes, sois todos uns consoladores importunos.

3 Quando terão fim essas palavras atiradas ao vento? O que é que te move para responder assim?

4 Eu também poderia falar como vós, se estivésseis no meu lugar. Arranjaria discursos a vosso respeito e sacudiria a cabeça contra vós.

5 Eu vos encorajaria verbalmente e moveria os meus lábios sem nenhuma avareza.

6 Se falo, nem por isso se aplaca a minha dor; se calo, estará ela afastada de mim?

7 Mas Deus me extenuou, estou aniquilado. Toda a sua tropa me pegou.*

8 Minha magreza tornou-se testemunho contra mim, ela depõe contra mim.

9 Sua cólera me fere e me persegue. Ele range os dentes contra mim. Meus inimigos aguçam os olhos sobre mim.

10 Abrem a boca para me devorar. Batem-me na face para me ultrajar, rebelando-se todos contra mim.

11 Deus me entrega aos perversos, joga-me nas mãos dos malvados.

12 Eu estava em paz. Ele, de repente, me esmagou. Segurou-me pela nuca e me pôs em pedaços. Tomou-me como seu alvo.

13 Suas setas voam em volta de mim. Ele rasga os meus rins sem piedade, espalhando o meu fel por terra.

14 Abre em mim brecha sobre brecha, ataca-me como um guerreiro.

15 Cosi um saco sobre minha pele e rolei minha fronte no pó.

16 Meu rosto está vermelho de tanto chorar e a sombra da morte estende-se sobre minhas pálpebras.

17 Entretanto, não há violência em minhas mãos e minha oração é pura!

18 Ó terra, não cubras o meu sangue e que seu grito não seja sufocado pela tumba.*

19 Tenho desde já uma testemunha no céu, um defensor nas alturas.

20 Minha oração subiu até Deus e meus olhos choram diante dele.*

21 Que ele mesmo julgue entre o homem e Deus, entre o homem e seu semelhante!

22 Pois meus anos contados se esgotam e eu entro numa vereda por onde não passarei de novo.

Capítulo 17 Ver capítulo

1 Meu espírito vai-se consumindo, os meus dias se apagam, só me resta o sepulcro!

2 Estou de fato cercado de zombadores e meus olhos velam por causa de seus ultrajes.*

3 Sê tu mesmo a minha caução, junto a ti, pois quem ousará bater em minha mão?*

4 Pois fechaste o seu coração à inteligência; por isso, não os deixarás triunfar.

5 Há quem convide seus amigos à partilha, enquanto desfalecem os olhos de seus filhos.

6 Ele me reduziu a zombaria do povo, como aquele em cujo rosto se cospe.

7 Meus olhos se escurecem de tristeza e todo o meu corpo não é mais que uma sombra.

8 As pessoas retas estão espantadas e o inocente se irrita contra o ímpio.

9 O justo, entretanto, persiste no seu caminho, e o homem de mãos puras redobra de coragem.

10 Mas vós todos voltai e vinde; pois não acharei entre vós nenhum sábio.

11 Meus dias se esgotam, meus projetos estão aniquilados, frustraram-se os projetos do meu coração.

12 Fazem da noite, dia. A luz da manhã é para mim como trevas.

13 Deverei esperar? A região dos mortos é a minha morada! Preparo meu leito no local tenebroso.

14 Disse ao sepulcro: ‘Tu és meu pai’, e aos vermes: ‘Vós sois minha mãe e minha irmã!’.

15 Onde está, pois, minha esperança? E a minha felicidade, quem a entrevê?

16 Descerão elas comigo à região dos mortos? Afundaremos juntos no pó?”.

Capítulo 18 Ver capítulo

1 Bildad de Suás disse então nestes termos:

2 “Quando acabarás de falar a esmo? Terás a sabedoria de nos dizer depois!

3 Por que nos consideras como animais, e por que passamos por estúpidos a teus olhos?

4 Tu, que te rasgas em teu furor, por tua causa a terra ficará abandonada e o rochedo mudará de lugar?

5 Sim, a luz do ímpio se apagará e a chama de seu fogo cessará de alumiar.

6 A luz obscurece na sua tenda e sua lâmpada sobre ele se apagará.

7 Seus passos, antes firmes, serão encurtados, e seus próprios desígnios os farão tropeçar.

8 Seus pés se prendem numa rede, e ele anda sobre malhas.

9 A armadilha agarra seu calcanhar e o alçapão o aperta.

10 Uma corda se esconde na terra para pegá-lo, e uma armadilha, ao longo da vereda.

11 De todas as partes temores o amedrontam e o perseguem passo a passo.

12 A calamidade vem faminta sobre ele e a infelicidade está alerta ao seu lado.

13 A pele de seu corpo é devorada, o filho mais velho da morte devora-lhe os membros.*

14 É arrancado da tenda, onde se sentia seguro, levam-no ao rei dos terrores.*

15 Podes estabelecer-te em sua tenda, que não mais existe; o enxofre é espalhado em seu domínio.

16 Por baixo suas raízes secam, e por cima seus ramos definham.

17 Sua memória apaga-se da terra, nada mais lembra o seu nome na região.

18 É arrojado da luz para as trevas e é desterrado do mundo.

19 Não tem descendente nem posteridade em sua tribo, nem sobrevivente algum em sua morada.

20 O Ocidente está estupefato com sua sorte e o Oriente treme diante dela.

21 Eis o que acontece com as tendas dos ímpios, os lugares habitados pelo homem que não conhece a Deus”.

Capítulo 19 Ver capítulo

1 Jó respondeu, então, nestes termos:

2 “Até quando afligireis a minha alma e me atormentareis com vossos discursos?

3 Eis que já por dez vezes me ultrajastes. Não vos envergonhais de me insultar?

4 Mesmo que eu tivesse verdadeiramente pecado, minha culpa só diria respeito a mim mesmo.

5 Se vos quiserdes levantar contra mim, convencendo-me de ignomínia,

6 sabei que foi Deus quem me afligiu e me cercou com sua rede.

7 Se clamo: ‘Violência!’, ninguém me responde; levanto minha voz, e não há quem me faça justiça.

8 Ele fechou meu caminho para que eu não possa passar. E espalhou trevas pelas minhas veredas.

9 Despojou-me da minha glória, tirou-me a coroa da cabeça.

10 Demoliu-me por inteiro e pereço. Ele desenraizou minha esperança como uma árvore.

11 Acendeu a sua cólera contra mim, tratando-me como um inimigo.

12 Suas milícias se concentraram, construíram aterros para me assaltarem e acamparam em volta de minha tenda.

13 Meus irmãos foram para longe de mim, e meus amigos de mim se afastaram.

14 Meus parentes e meus íntimos desapareceram, os hóspedes de minha casa esqueceram-se de mim.

15 Minhas servas olham-me como um estranho, sou um desconhecido para elas.

16 Chamo meu escravo e ele não responde, apesar de suplicá-lo com minha própria boca!

17 Minha mulher tem horror de meu hálito, sou repugnante aos meus próprios filhos.

18 Até as crianças caçoam de mim. Quando me levanto, troçam de mim.

19 Meus íntimos me abominam e até aqueles que eu amava voltam-se contra mim.

20 Meus ossos estão colados à minha pele e à minha carne. E fujo com a pele de meus dentes.*

21 Compadecei-vos de mim, compadecei-vos de mim, ao menos vós, que sois meus amigos, pois a mão de Deus me feriu.

22 Por que me perseguis como Deus e vos mostrais insaciáveis de minha carne?

23 Quem dera se minhas palavras pudessem ser escritas! Quem dera fossem elas consignadas num livro,

24 gravadas por estilete de ferro em chumbo, esculpidas para sempre numa rocha!

25 Eu sei que meu vingador está vivo e que aparecerá, finalmente, sobre a terra.

26 Por detrás de minha pele, que envolverá isso, na minha própria carne, verei Deus.*

27 Eu mesmo o contemplarei, meus olhos o verão, e não os olhos de outro. Meus rins se consomem dentro de mim.

28 Pois, se dizes: ‘Por que o perseguimos e como encontraremos nele uma razão para condená-lo?’.

29 Temei o gume da espada, pois a cólera de Deus persegue os maus e sabereis que há uma justiça!”.

Capítulo 20 Ver capítulo

1 Sofar de Naamat falou nestes termos:

2 “É por isso que meus pensamentos me sugerem uma resposta, e estou impaciente por falar.

3 Ouvi queixas injuriosas, foram palavras vãs que responderam a meu espírito.

4 Não sabes bem que, em todos os tempos, desde que o homem foi posto na terra,

5 o triunfo dos ímpios é breve e a alegria do perverso só dura um instante?

6 Ainda mesmo que sua estatura chegasse até o céu e sua cabeça tocasse as nuvens,

7 como o seu próprio esterco, ele perecerá para sempre. Aqueles que tinham visto indagarão: ‘Onde ele está?’.

8 Como um sonho, ele voará e ninguém mais o encontrará. Ele desaparecerá como uma visão noturna.

9 O olho que o viu já não mais o verá e não o verá mais a sua morada.

10 Seus filhos deverão indenizar os pobres e suas mãos restituir suas riquezas.*

11 Seus ossos que estavam cheios de vigor juvenil deitam-se com ele no pó.

12 Se o mal lhe foi doce na boca, ele a escondeu debaixo da língua.

13 Se o saboreou e não o abandonou, mas o conservou na sua garganta,

14 esse alimento se transformará em suas entranhas e se converterá interiormente em fel de áspides.

15 Ele vomitará as riquezas que engoliu; Deus as fará sair-lhe do seu ventre.

16 Sugava veneno de áspides e a língua da víbora o matará.

17 Não mais verá correr os riachos de óleo, nem as torrentes de mel e de manteiga.

18 Vomitará seu ganho sem poder engoli-lo e não gozará o lucro de seu comércio.

19 Porque maltratou, desamparou os pobres e roubou uma casa que não tinha construído.

20 Porque sua avidez é insaciável, não salvará o que lhe era mais caro.

21 Nada escapava à sua voracidade, por isso que sua felicidade não há de durar.

22 Em plena abundância sentirá escassez e todos os golpes da infelicidade caem sobre ele.

23 Para encher-lhe o ventre Deus desencadeia o fogo de sua cólera, fazendo chover a dor sobre ele.

24 Se escapa diante da arma de ferro, o arco de bronze o traspassa.

25 Um dardo sai-lhe das costas, um aço fulgurante sai-lhe do fígado. O terror desaba sobre ele.

26 Todas as trevas ocultas lhe serão reservadas. Um fogo, que o homem não acendeu, o devora* e consome o que sobra em sua tenda.

27 Os céus revelarão sua culpa e a terra se levantará contra ele.

28 Uma torrente arrastará sua casa, será levada no dia da cólera divina.

29 Tal é a sorte que Deus reserva ao ímpio, tal é a herança que Deus lhe destina”.

Capítulo 21 Ver capítulo

1 Jó tomou então a palavra nestes termos:

2 “Ouvi atentamente minhas palavras. Que eu tenha pelo menos esse consolo de vossa parte.

3 Permiti que eu fale; quando tiver falado, zombai à vontade.

4 É de um ser humano que me queixo? E como não hei de perder a paciência?

5 Olhai para mim e ficareis estupefatos e poreis a mão sobre a boca.

6 Quando penso nisso, fico estarrecido e todo o meu corpo treme.

7 Por que os ímpios sobrevivem e, ao envelhecer, crescem em poderio?

8 Sua posteridade prospera diante deles, e seus descendentes sob seus olhos.

9 Suas casas estão em paz, livres de perigo, e a vara de Deus não os atinge.

10 Seu touro é cada vez mais fecundo, sua vaca dá cria sem nunca abortar.

11 Deixam os filhos correr como carneiros, e os seus pequenos saltam e brincam alegremente.

12 Cantam ao som do pandeiro e da cítara, divertem-se ao som da flauta.

13 Passam seus dias na alegria e descem tranquilamente à região dos mortos.

14 Ora, dizem a Deus: ‘Afasta-te de nós! Não queremos conhecer os teus caminhos!

15 Quem é o Todo-poderoso, para que o sirvamos? Que vantagem tiramos em lhe fazer orações?’.

16 A felicidade não está em suas mãos? Contudo, longe de mim esteja o modo de pensar dos ímpios!

17 Quantas vezes vemos apagar-se a lâmpada dos ímpios e a ruína desabar sobre eles?

18 Serão eles como a palha ao vento, como a cinza tragada pelo turbilhão?

19 ‘Deus reserva para os filhos o castigo do pai?’ Que ele mesmo o puna, para que o sinta!

20 Que veja com os próprios olhos a sua ruína e ele mesmo beba da cólera do Todo-poderoso!

21 Pois o que lhe importa a sua casa depois dele, se o número de seus meses já está contado?

22 É a Deus que se irá ensinar a sabedoria, a ele, que julga os seres superiores?

23 Um morre em pleno vigor, feliz e tranquilo,

24 os flancos cobertos de gordura e a medula dos ossos cheia de seiva.

25 Outro, porém, morre com a amargura na alma, sem ter gozado a felicidade.

26 Juntos se deitam na terra e os vermes recobrem a ambos.

27 Por certo conheço vossos pensamentos, os julgamentos iníquos que fazeis de mim!

28 Dizeis: ‘Onde está a casa do tirano, onde está a tenda em que habitavam os ímpios?’.

29 Não interrogastes os viajantes? Contestaríeis seus testemunhos?

30 No dia da infelicidade o ímpio é poupado, no dia da cólera ele escapa.

31 Quem reprova diante dele o seu proceder e lhe pede contas de seus atos?

32 Levam-no ao sepulcro, ficarão de vigília em sua câmara funerária.

33 Os torrões do vale são-lhe leves; todos os homens irão em sua companhia e foram inumeráveis seus predecessores.

34 Que significam, pois, essas vãs consolações? Todas as vossas respostas são apenas perfídia”.

Capítulo 22 Ver capítulo

1 Elifaz de Temã tomou a palavra nestes termos:

2 “Pode o homem ser útil a Deus? O sábio só é útil a si mesmo.

3 De que serve ao Todo-poderoso que sejas justo? Tem ele interesse que teu proceder seja íntegro?

4 É por causa de tua piedade que ele te pune e entra contigo em juízo?

5 Não é enorme a tua malícia e não são inumeráveis as tuas iniquidades?

6 Sem razão penhoraste os teus irmãos e despojaste de suas vestes os miseráveis.*

7 Não davas água ao sedento, recusavas pão ao esfomeado.

8 A terra era do mais forte, e o protegido é que nela se estabelecia.

9 Despedias as viúvas de mãos vazias e quebravas os braços dos órfãos.

10 Eis por que estás cercado de laços e os terrores súbitos te amedrontam.

11 Tua luz tornou-se trevas, já não vês nada e o dilúvio das águas te engole.

12 Não está Deus nas alturas do céu? Vê a abóbada estrelada, como está alta!

13 E dizes: ‘Que sabe Deus? Pode ele julgar através de nuvens escuras?

14 As nuvens formam um véu que o impede de ver ele passeia apenas pela abóbada do céu’.

15 Queres seguir, pois, rotas antigas por onde andaram os homens iníquos?

16 Que foram arrebatados antes do tempo e cujos fundamentos foram arrastados com as águas!*

17 Exclamam a Deus: ‘Retira-te de nós! Que poderia fazer-nos o Todo-poderoso?’.

18 Foi ele, entretanto, que lhes cumulou de bens as casas. Contudo, longe de mim os conselhos dos ímpios!

19 Vendo-os, os justos se alegram e o inocente zomba deles:

20 ‘Nossos inimigos estão aniquilados e o fogo devorou-lhes as riquezas!’.

21 Reconcilia-te, pois, com Deus e faze as pazes com ele: é assim que te será de novo dada a felicidade.

22 Aceita a instrução de sua boca e põe suas palavras em teu coração.

23 Se te voltares humildemente para o Todo-poderoso, se afastares a iniquidade de tua tenda,

24 se atirares as barras de ouro ao pó e o ouro de Ofir aos pedregulhos da torrente,*

25 o Todo-poderoso será teu ouro e um monte de prata para ti.

26 Então farás do Todo-poderoso as tuas delícias e levantarás teu rosto a Deus.

27 Tu lhe suplicarás, ele te ouvirá e cumprirás os teus votos.

28 Formarás os teus projetos, que terão feliz êxito e a luz brilhará em tuas veredas.

29 Pois Deus abaixa o altivo e o orgulhoso, mas socorre aquele que abaixa os olhos.

30 Ele salva o inocente, o qual é libertado pela pureza de suas mãos”.

Capítulo 23 Ver capítulo

1 Então, Jó tomou a palavra nestes termos:

2 “Sim, hoje minha queixa é uma revolta, ainda que sua mão reprima meus suspiros.*

3 Oxalá pudesse eu encontrá-lo e chegar até seu trono!

4 xporia diante de Deus a minha causa, encheria minha boca de argumentos.

5 Saberia o que ele iria responder-me e veria o que ele teria para me dizer.

6 Oporia ele contra mim com prepotência? Não! Bastaria que lançasse os olhos em mim.

7 Seria então um justo a discutir com ele, e eu iria embora definitivamente absolvido pelo meu juiz.

8 Mas se eu for ao Oriente, lá ele não está; ao Ocidente, não o encontrarei;

9 se o procuro ao Norte, não o vejo; se me volto para o Sul, não o descubro.

10 Contudo, ele conhece o meu caminho; se me põe à prova, dela sairei puro como o ouro.

11 Meus pés seguiram os seus traços, guardei o seu caminho sem me desviar.

12 Não me afastei dos preceitos de seus lábios, guardei no meu íntimo as palavras de sua boca.

13 Ele decidiu alguma coisa, quem o fará voltar atrás? Ele faz o que bem lhe agrada.

14 Realizará seu desígnio a meu respeito e tem muitos projetos iguais a este.

15 Eis por que sua presença me atemoriza. Basta o seu pensamento para me fazer tremer.

16 Foi Deus que me fundiu o coração, o Todo-poderoso me enche de terror.

17 Sucumbo diante das trevas. Elas cobriram-me o rosto.

Capítulo 24 Ver capítulo

1 Por que não reserva tempos para si o Todo-poderoso? E por que ignoram seus dias os que lhe são fiéis?

2 Os maus mudam as divisas das terras e fazem pastar o rebanho que roubaram.

3 Empurram diante de si o jumento dos órfãos, e tomam em penhor o boi da viúva.

4 Enxotam os pobres do caminho, todos os miseráveis da região precisam esconder-se.

5 Como asnos selvagens no deserto, saem para o trabalho, à procura do que comer, à procura do pão para seus filhos.

6 Ceifam a forragem num campo, vindimam a vinha do ímpio.

7 Passam a noite nus, sem roupa e sem cobertor contra o frio.

8 São banhados pelas chuvas das montanhas e, sem abrigo, achegam-se às rochas.

9 Arrancam o órfão do seio materno e tomam em penhor as crianças do pobre.*

10 Andam nus, por falta de roupa e esfomeados carregam feixes.

11 Espremem óleo nos celeiros, e sedentos pisam os lagares.

12 Sobe da cidade os gemidos dos moribundos. A alma dos feridos grita, mas Deus não ouve suas súplicas.

13 Outros são rebeldes à luz, não conhecem seus caminhos nem habitam em suas veredas.

14 O homicida levanta-se antes do alvorecer para matar o pobre e o indigente. O ladrão vagueia durante a noite.

15 O adúltero espreita o crepúsculo: ‘Ninguém me verá’, diz ele, e põe um véu no rosto.

16 Nas trevas, arrombam as casas. Escondem-se durante o dia, sem conhecer a luz.

17 Para eles, com efeito, a manhã é uma sombra espessa, pois estão acostumados aos terrores da noite.

18 Correm rapidamente na superfície da água, sua herança é maldita sobre a terra; já não tomarão o caminho das vinhas.*

19 Como a seca e o calor absorvem as águas da neve, assim a região dos mortos engole os pecadores.

20 O ventre que o gerou esquece-o, os vermes fazem dele as suas delícias; ninguém mais se lembrará dele.

21 A iniquidade é quebrada como uma árvore. Maltratava a mulher estéril, sem filhos e não fazia o bem à viúva.

22 Punha sua força a serviço dos poderosos. Levanta-se e já não pode mais contar com a vida.

23 Ele lhes dá segurança e apoio, mas seus olhos vigiam seus caminhos.

24 Levantam-se, subitamente já não existem; caem; como os outros, são arrebatados, são ceifados como cabeças de espigas.

25 Se assim não é, quem me desmentirá, quem reduzirá a nada as minhas palavras?”.

Capítulo 25 Ver capítulo

1 Bildad de Suás tomou então a palavra nestes termos:

2 “A ele, o poder e a majestade. Em sua alta morada faz reinar a paz.

3 Pode ser contado o número de suas legiões? Sobre quem não se levanta a sua luz?

4 Seria justo o homem diante de Deus? Seria puro aquele que nasce da mulher?

5 Se até mesmo a lua não brilha e as estrelas não são puras a seus olhos

6 quanto menos o homem, esse verme, e o filho do homem, esse vermezinho!”.*

Capítulo 26 Ver capítulo

1 Jó tomou então a palavra nestes termos:

2 “Como tens ajudado bem o fraco e socorrido o braço sem vigor!

3 Como sabes aconselhar o ignorante e dar mostras de abundante sabedoria!

4 A quem diriges este discurso? Sob a inspiração de quem falas tu?

5 As sombras agitam-se sob a terra, as águas e seus habitantes estão temerosos.

6 A região dos mortos está descoberta diante dele, os infernos estão sem véu.

7 Ele estende o firmamento sobre o vácuo e suspende a terra sobre o nada.

8 Armazena as águas em suas nuvens e as nuvens não se rasgam sob seu peso.

9 Vela a face da lua, estendendo sobre ela a sua nuvem.

10 Traçou um círculo sobre a superfície das águas, até onde a luz confina com as trevas.

11 As colunas do céu estremecem e se assustam com a sua ameaça.

12 Com sua força fendeu o mar e com sua sabedoria destruiu Raab.*

13 Seu sopro varreu os céus e sua mão feriu a serpente fugitiva.*

14 Eis que tudo isso não é mais que o contorno de suas obras e se apenas percebemos um fraco eco dessas obras, quem compreenderá o trovão de seu poder?”.

Capítulo 27 Ver capítulo

1 Jó continuou seu discurso nestes termos:

2 “Pelo Deus vivo que me recusa justiça, pelo Todo-poderoso, que enche minha alma de amargura.

3 Enquanto em mim restar alento e o sopro de Deus passar por minhas narinas,

4 meus lábios não falarão maldades e minha língua não proferirá mentiras.

5 Longe de mim dar-vos razão! Até meu último suspiro defenderei minha inocência,

6 mantenho firme minha justiça, não a abandonarei; minha consciência não acusa nenhum de meus dias.

7 Que meu inimigo seja tratado como ímpio e meu adversário, como perverso!

8 Que pode esperar o ímpio de sua oração, quando eleva para Deus a sua alma?

9 Deus escutará seu clamor, quando a angústia cair sobre ele?

10 Encontrará ele seu conforto no Todo-poderoso e invocará ele Deus em todo o tempo?

11 Eu vos ensinarei o poder de Deus, não vos ocultarei os desígnios do Todo-poderoso.

12 Mas todos vós já o sabeis; por que proferis palavras vãs?

13 Esta é a sorte que Deus reserva ao ímpio e a parte reservada ao violento pelo Todo-poderoso.*

14 Se seus filhos se multiplicam, é para a espada e seus descendentes não terão o que comer.

15 Seus sobreviventes serão sepultados na ruína e suas viúvas não os chorarão.

16 Se amontoa prata como pó e se ajunta vestimentas como barro,

17 que amontoe, mas é o justo quem as vestirá e o inocente herdará a prata.

18 Constrói sua casa como a casa da aranha, como a choupana que o vigia constrói.*

19 Deita-se rico, mas é pela última vez. Quando abre os olhos, já deixou de sê-lo.

20 O terror o invade como um dilúvio e um redemoinho o arrebata durante a noite.

21 O vento do leste o leva e o faz desaparecer, varrendo-o violentamente de seu lugar.

22 Precipitam-se sobre ele sem compaixão e é arrastado numa fuga desvairada.

23 Sua ruína é aplaudida. De sua própria casa assobiarão sobre ele.

Capítulo 28 Ver capítulo

1 Há lugares de onde se tira a prata e lugares onde o ouro é apurado.

2 O ferro é extraído do solo e o cobre é extraído de uma pedra fundida.

3 O homem pôs fim às trevas e escavou as últimas profundidades da rocha obscura e sombria.

4 Longe dos lugares habitados, um povo estrangeiro abre galerias, que são ignoradas pelos pés dos transeuntes. Suspensos, vacilam longe dos humanos.

5 A terra, que produz o pão, é sacudida em suas entranhas como se fosse pelo fogo.

6 Suas rochas encerram jazidas de safiras que contêm pepitas de ouro.

7 A águia não conhece a vereda, nem o olho do abutre a enxergou.

8 Os animais ferozes não a pisaram, nem o leão passou por ela.

9 O homem põe a mão no sílex, derruba as montanhas pela base.

10 Abre galerias nos rochedos, o olhar atento pode ver nelas todos os tesouros.

11 Explora as nascentes dos rios e põe a descoberto o que estava escondido.

12 Mas a sabedoria onde se encontra? Onde está o lugar da inteligência?

13 O homem ignora o caminho dela, ninguém a encontra na terra dos vivos.

14 O abismo diz: ‘Ela não está em mim’. ‘Não está comigo’, diz o mar.

15 Não pode ser adquirida com ouro maciço, nem pode ser comprada a peso de prata.

16 Não pode ser posta em balança com o ouro de Ofir, nem com o ônix precioso ou a safira.

17 Não pode ser comparada nem ao ouro nem ao vidro, ninguém a troca por vaso de ouro fino.

18 Quanto ao coral e ao cristal, nem se fala. A sabedoria vale mais do que as pérolas.

19 Não pode ser igualada ao topázio da Etiópia, nem pode ser equiparada ao mais puro ouro.

20 De onde vem, pois, a sabedoria? Qual é o lugar da inteligência?

21 Um véu a oculta de todos os viventes e até das aves do céu ela se esconde.

22 Declaram o inferno e a morte: ‘Apenas ouvimos falar dela’.

23 Deus conhece o caminho para encontrá-la e é ele quem sabe o seu lugar,

24 porque ele vê até os confins da terra e vê tudo o que há debaixo do céu.

25 Quando ele fixou um peso ao vento e regulou a medida das águas,

26 quando decretou as leis para a chuva, e traçou uma rota aos relâmpagos,

27 então a viu e a descreveu, penetrou-a e escrutou-a.

28 Depois disse ao homem: ‘O temor do Senhor, eis a sabedoria! Fugir do mal, eis a inteligência’.”

Capítulo 29 Ver capítulo

1 Jó continuou seu discurso nestes termos:

2 “Quem me dera tornar-me tal como antes, como nos dias em que Deus me protegia,

3 quando a sua lâmpada luzia sobre a minha cabeça e à sua luz me guiava nas trevas!

4 Tal como era nos dias de meu outono, quando Deus velava como um amigo sobre minha tenda!

5 Quando o Todo-poderoso estava ainda comigo e os meus filhos, em volta de mim!

6 Quando os meus pés se banhavam no creme e o rochedo em mim derramava ondas de azeite.

7 Quando saía para ir à porta da cidade e me assentava na praça pública.

8 Viam-me os jovens e se escondiam e os velhos levantavam-se e ficavam de pé.

9 Os chefes interrompiam suas conversas e punham a mão sobre a boca.

10 Calava-se a voz dos príncipes e sua língua se colava ao céu da boca.

11 Quem me ouvia me felicitava, quem me via dava testemunho de mim.*

12 Livrava o pobre que pedia socorro e o órfão, que não tinha apoio.

13 A bênção do moribundo vinha sobre mim e eu alegrava o coração da viúva.

14 Revestia-me de justiça e a equidade era para mim como uma roupa e um turbante.

15 Era os olhos do cego e os pés daquele que manca.

16 Era o pai dos pobres e examinava a fundo a causa dos desconhecidos.

17 Quebrava o queixo do perverso e arrancava-lhe a presa de entre os dentes.

18 E dizia: ‘Morrerei no meu ninho e meus dias serão tão numerosos quanto os da fênix’.*

19 Minha raiz atinge a água e o orvalho ficará durante a noite sobre meus ramos.

20 Minha glória sempre se renovará e meu arco se reforçará em minha mão.

21 Escutavam-me, esperavam e recolhiam em silêncio meu conselho.

22 Quando acabava de falar, não acrescentavam nada e minhas palavras eram recebidas como orvalho.

23 Esperavam-me como se espera a chuva e abriam a boca, como se fosse para a chuva de primavera.

24 Sorria para aqueles que perdiam coragem; ante o meu ar benevolente, deixavam de estar abatidos.

25 Quando ia ter com eles, tinha o primeiro lugar, era importante como um rei no meio de suas tropas, como o consolador dos aflitos.

Capítulo 30 Ver capítulo

1 Agora zombam de mim os mais jovens do que eu, aqueles cujos pais eu desdenharia de colocar com os cães do meu rebanho.*

2 De que me serviria a força de seus braços, homens cujo vigor já pereceu inteiramente?

3 Reduzidos a nada pela miséria e pela fome, roem um solo árido e desolado.

4 Colhem ervas e cascas dos arbustos, e por pão têm somente a raiz das giestas.

5 São expulsos do povo e gritam com eles como se fossem ladrões.

6 Moram em barrancos medonhos, nas cavernas da terra e dos rochedos.

7 Ouvem-se seus gritos entre os arbustos e amontoam-se debaixo das urtigas.

8 São filhos de infames e de gente sem nome, que são expulsos da terra…

9 Agora, porém, sou o assunto de suas canções, tema de seus escárnios.

10 Afastam-se de mim com horror e não receiam cuspir-me no rosto.

11 Desamarraram a corda para humilhar-me, sacudiram de si todo o freio diante de mim.

12 À minha direita levanta-se a raça deles, tentam atrapalhar meus pés e abrem diante de mim o caminho da sua desgraça.*

13 Embaralham minha vereda para me perder e trabalham para a minha ruína.

14 Penetram como por uma grande brecha e irrompem entre escombros.

15 O pavor me invade. Minha esperança é varrida como se fosse pelo vento e minha felicidade passa como uma nuvem.

16 Agora minha alma se dissolve e os dias de aflição me dominaram.

17 A noite traspassa meus ossos e consome-os. Os males que me roem não dormem.

18 Com violência agarra a minha veste e aperta-me como o colarinho de minha túnica.

19 Deus jogou-me no lodo e eu me confundo com a poeira e a cinza.

20 Clamo por ti e não me respondes. Ponho-me diante de ti, e não olhas para mim.

21 Tornaste-te cruel para comigo e atacas-me com toda a força de tua mão.

22 Tu me arrebatas e me faz cavalgar o tufão, para me aniquilar na tempestade.

23 Bem sei que me levarás à morte, ao lugar onde se encontram todos os viventes.

24 Mas não é para aquele que cai que estendi a mão quando, na ruína, pedia socorro?

25 Não chorei com os oprimidos? Não teve minha alma piedade dos pobres?

26 Esperava a felicidade e veio a desgraça, esperava a luz e vieram as trevas.

27 Minhas entranhas abrasam-se sem nenhum descanso, assaltaram-me os dias de aflição.

28 Caminho no luto, sem sol; levanto-me numa multidão de gritos.

29 Tornei-me irmão dos chacais e companheiro dos avestruzes.

30 Minha pele enegrece-se e cai, e meus ossos são consumidos pela febre.

31 Minha cítara só dá acordes lúgubres, e minha flauta sons queixosos.

Capítulo 31 Ver capítulo

1 Eu havia feito um pacto com os meus olhos, para não desejar nunca olhar para uma virgem.

2 Que parte me daria Deus lá do alto, que sorte o Todo-poderoso me enviaria do céu?

3 Acaso a infelicidade não está reservada ao injusto e o infortúnio ao iníquo?

4 Não conhece Deus os meus caminhos e não conta todos os meus passos?

5 Se caminhei com a mentira e meu pé correu atrás da fraude,

6 que Deus me pese na balança da justiça e reconhecerá a minha integridade.

7 Se meus passos se desviaram do caminho e meu coração seguiu meus olhos, e se às minhas mãos se apegou qualquer mácula,

8 que semeie eu e outro o coma, e minhas plantações sejam desenraizadas!

9 Se meu coração foi seduzido por uma mulher, se fiquei à espreita à porta de meu vizinho,

10 que minha mulher gire a mó para um outro e que estranhos a possuam!

11 Pois isso seria um crime, um delito digno de julgamento,

12 um fogo que devoraria até o abismo e que teria arruinado todos os meus bens.

13 Nunca violei o direito de meu escravo ou de minha serva, em suas discussões comigo.

14 Que farei eu quando Deus se levantar? Quando me interrogar, que lhe responderei?

15 Aquele que me criou no ventre, não o criou também a ele? Um mesmo criador nos formou!

16 Acaso recusei aos pobres aquilo que desejavam e fiz desfalecer os olhos da viúva?

17 Ou comi sozinho meu pedaço de pão, sem que o órfão tivesse a sua parte?

18 Antes, desde minha infância cuidei-o como um pai e desde o ventre materno fui o seu guia.

19 Se vi perecer um homem por falta de roupa e um pobre que não tinha com que cobrir-se,

20 sem que seus rins me tenham abençoado, aquecido como estava com a lã de minhas ovelhas;

21 se levantei a mão contra o órfão, quando me via apoiado pelos juízes,*

22 que meu ombro caia de minhas costas e meu braço seja arrancado de seu cotovelo!

23 Pois o terror de Deus me invadiu e diante de sua majestade não posso subsistir.

24 Nunca pus no ouro minha segurança e jamais disse ao ouro puro: ‘És minha esperança!’.

25 Nunca me rejubilei por ser grande a minha riqueza, nem pelo fato de minha mão ter ajuntado muito.

26 Quando via o sol brilhar e a lua levantar-se em seu esplendor,

27 jamais meu coração deixou-se seduzir em segredo e minha mão não foi levada à boca para um beijo.*

28 Isso seria um crime digno de castigo, pois eu teria renegado o Deus que está no alto.

29 Nunca me alegrei com a ruína de meu inimigo, nem exultei quando a infelicidade o feriu.

30 Não permiti que minha boca pecasse, reclamando sua morte por uma imprecação.

31 Jamais as pessoas de minha tenda me disseram: ‘Há alguém que não tenha ficado satisfeito da carne?’.*

32 O estrangeiro não passava a noite fora, eu abria a minha porta ao viajante.

33 Nunca dissimulei minha culpa aos homens, escondendo em meu peito minha iniquidade,

34 como se temesse a multidão e receasse o desprezo das famílias, a ponto de me manter quieto sem pôr o pé fora da porta.

35 Oh! Se eu tivesse alguém para me ouvir! Eis a minha assinatura: que o Todo-poderoso me responda! Que o meu adversário escreva também um memorial.

36 Por certo eu o carregaria sobre meus ombros e cingiria minha fronte com ele como de uma coroa!

37 Eu lhe prestaria contas de todos os meus passos e me apresentaria diante dele altivo como um príncipe.

38 Se minha terra clamou contra mim e seus sulcos derramaram lágrimas,*

39 se comi seus frutos sem pagar, se afligi os seus donos,

40 que em vez de trigo nasçam espinhos e joio em vez de cevada!”. Aqui terminam os discursos de Jó.*

Capítulo 32 Ver capítulo

1 Como Jó persistisse em conside-rar-se como um justo, estes três homens desistiram de lhe responder.

2 Então, se inflamou a cólera de Eliú, filho de Baraquel, de Buz, da família de Ram. Sua cólera inflamou-se contra Jó, por este pretender justificar-se perante Deus.

3 Inflamou-se também contra seus três amigos, por não terem achado resposta conveniente, dando assim culpa a Deus.*

4 Como fossem mais velhos do que ele, Eliú esperou enquanto falavam com Jó.

5 Mas, quando viu que não tinham mais nada para responder, encolerizou-se.

6 Então Eliú, filho de Baraquel, de Buz, tomou a palavra nestes termos: “Sou jovem em anos, e vós sois anciãos, por isso minha timidez me impediu de manifestar-vos o meu saber.

7 Dizia comigo: ‘A idade vai falar, os muitos anos farão conhecer a sabedoria’.

8 Mas é o espírito de Deus no homem, e um sopro do Todo-poderoso que dá a inteligência.

9 Não são os mais velhos que são sábios, nem os anciãos que discernem o que é justo.

10 Por isso, é que digo: ‘Escutai-me, vou mostrar-vos o que sei’.

11 Esperei enquanto faláveis, prestei atenção em vossos raciocínios. Enquanto discutíeis,

12 segui-vos atentamente. Mas ninguém refutou a Jó, nem respondeu aos seus argumentos.

13 E não digais: ‘Encontramos a sabedoria; foi Deus e não um homem quem nos instrui’.

14 Não foi a mim que dirigiu seus discursos, mas encontrarei outras respostas diferentes das vossas.

15 Ei-los calados, já não dizem mais nada; faltam-lhes as palavras.

16 Esperei que se calassem e cessassem de responder.

17 É a minha vez de responder e vou também mostrar o que sei.

18 Pois estou cheio de palavras, o espírito que está em meu peito me oprime.

19 Meu peito é como vinho arrolhado, como um barril pronto para estourar.

20 Tenho de falar, isso me aliviará. Abrirei meus lábios para responder.

21 Não farei acepção de ninguém, nem adularei este ou aquele.

22 Pois não sei bajular, do contrário, meu Criador logo me levaria.

Capítulo 33 Ver capítulo

1 E agora, Jó, ouve as minhas palavras e atende a todos os meus discursos.

2 Eis que abro a minha boca. Minha língua, sob o céu da boca, vai falar.

3 Minhas palavras brotam de um coração reto e meus lábios falarão francamente.

4 O espírito de Deus me criou e o sopro do Todo-poderoso me deu a vida.

5 Se puderes, responde-me. Toma posição e fica firme diante de mim.

6 Em face de Deus somos iguais. Como tu, eu também fui formado do barro!

7 Assim, meu temor não te assustará e o peso de minhas palavras não te acabrunhará.

8 Pois, disseste aos meus ouvidos, e ouvi estas palavras:

9 ‘Sou puro, sem pecado; sou limpo, não há culpa em mim.

10 É ele que inventa pretextos contra mim e considera-me seu inimigo.

11 Prendeu meus pés no cepo e vigiou todos os meus passos’.

12 Responderei que nisto foste injusto, pois Deus é maior do que o ser humano.

13 Por que o acusas de não dar nenhuma resposta a teus discursos?

14 Ora, Deus fala de uma maneira e de outra e não prestas atenção.*

15 Por meio dos sonhos, das visões noturnas, quando o sono profundo cai sobre os homens, enquanto dormem nos seus leitos,

16 então abre os ouvidos dos mortais e os assusta com suas aparições.

17 Isso para desviá-lo do pecado e livrá-lo do orgulho,

18 para salvar-lhe a alma da cova e sua vida, da seta mortífera.

19 Pela dor também é corrigido o homem em seu leito, quando todos os seus membros são agitados,

20 quando recebe o alimento com desgosto e já não pode suportar as iguarias mais deliciosas.

21 Sua carne se consome aos olhares e seus membros emagrecidos se desvanecem.

22 Sua alma aproxima-se da sepultura e sua vida, daqueles que estão mortos.

23 Se perto dele se encontrar um anjo, um intercessor entre mil, para ensinar-lhe o que deve fazer,

24 ter piedade dele e dizer: ‘Poupai-o de descer à cova, pois recebi o resgate de sua vida’.*

25 Sua carne retomará o vigor da mocidade e ele retornará aos dias de sua adolescência.

26 Ele rezará a Deus, que lhe será propício, contemplará com alegria sua face e restituirá ao homem sua justiça.

27 Cantará diante dos homens, dizendo: ‘Pequei, violei o direito, mas Deus não me tratou conforme meus erros.

28 Poupou minha alma de descer à cova e minha alma bem viva goza a luz!’.

29 Eis o que Deus faz duas e três vezes com o ser humano,

30 a fim de tirar-lhe a alma da cova e iluminá-la com a luz da vida.

31 Presta atenção, Jó, escuta-me, cala a boca para que eu fale!

32 Se tens alguma coisa para dizer, responde-me; fala, eu gostaria de te dar razão.

33 Se não, escuta-me, cala-te, e eu te ensinarei a sabedoria”.

Capítulo 34 Ver capítulo

1 Eliú retomou a palavra nestes termos:

2 “Sábios, ouvi meu discurso; eruditos, prestai atenção.

3 Pois o ouvido discerne o valor das palavras como o paladar saboreia as iguarias.

4 Procuremos escolher o que é justo e conhecer entre nós o que é bom.

5 Jó disse: ‘Eu sou inocente, mas Deus recusa fazer-me justiça.

6 A despeito de meu direito, passo por mentiroso; minha ferida é incurável, sem que eu tenha pecado’.

7 Existe um homem como Jó, que bebe a blasfêmia como quem bebe água,

8 que anda de par com os ímpios e caminha com os perversos?

9 Pois ele disse: ‘O homem não ganha nada em ser agradável a Deus’.

10 Ouvi-me, pois, homens sensatos: longe de Deus a injustiça, longe do Todo-poderoso a iniquidade!

11 Ele trata o homem conforme seus atos e dá a cada um o que merece.

12 Pois, Deus não é injusto e o Todo-poderoso não falseia o direito.

13 Quem lhe confiou a administração da terra? Quem lhe entregou o universo?

14 Se lhe retomasse o sopro, se lhe retirasse o alento,

15 toda a carne expiraria no mesmo instante, e o homem voltaria ao pó.

16 Se tens inteligência, escuta isto, e dá ouvidos ao som de minhas palavras!

17 Acaso um inimigo do direito poderia governar? Pode o Justo, o Poderoso cometer a iniquidade?

18 Ele que disse a um rei: ‘Malvado!’. Ou aos príncipes: ‘Celerados!’.

19 Ele não tem preferência pelos grandes, nem tem mais consideração pelos ricos do que pelos pobres, pois são todos obras de suas mãos.

20 Subitamente, perecem no meio da noite; os povos vacilam e passam, o poderoso desaparece, sem o socorro de mão alguma.*

21 Pois Deus olha para a conduta de cada um e observa todos os seus passos.

22 Não há obscuridade, nem trevas onde o iníquo possa esconder-se.

23 Pois não precisa olhar duas vezes para um homem para citá-lo em justiça consigo.

24 Abate os poderosos sem inquérito e põe outros em lugar deles.

25 Pois conhece as suas obras, derruba-os à noite e são esmagados.

26 Fere-os como ímpios no lugar onde são vistos,

27 porque se afastaram dele e não quiseram conhecer nenhum de seus caminhos.

28 Fizeram chegar até Deus o clamor do pobre e tornando-o atento ao grito do infeliz.

29 Se ele dá a paz, quem poderá censurá-lo? Se oculta sua face, quem poderá contemplá-lo?

30 Assim trata ele o povo e o indivíduo de maneira que o ímpio não venha a reinar, e já não seja uma armadilha para o povo.

31 Se alguém diz a Deus: ‘Fui seduzido, não mais pecarei,

32 ensina-me o que ignoro; se cometi o mal, não mais o farei!’.

33 Julgas, então, que ele deve punir, já que rejeitaste suas ordens? És tu quem deves escolher, não eu; dize, pois, o que sabes.*

34 As pessoas sensatas me dirão, como qualquer homem sábio que me ouve:

35 ‘Jó não falou conforme a razão, falta-lhe bom senso às palavras!’.

36 Pois bem, que Jó seja provado até o fim, já que suas respostas são próprias de um ímpio.

37 Porque a seus pecados acrescenta a revolta. Entre nós, com zombaria, bate as mãos e multiplica as palavras contra Deus”.*

Capítulo 35 Ver capítulo

1 Eliú retomou ainda a palavra nestes termos:

2 “Imaginas ter razão em pretender justificar-te contra Deus?

3 Quando dizes: ‘Para que me serve isto, qual é minha vantagem em não pecar?’.

4 Pois vou responder-te, a ti e a teus amigos.

5 Contempla os céus e observa as nuvens: vê como são mais altas do que tu.

6 Se pecas, que danos lhe causas? Se multiplicas tuas faltas, que mal lhe fazes?

7 Se és justo, que vantagem lhe dás? Ou que recebe ele de tua mão?

8 Tua maldade só prejudica o homem, teu semelhante; tua justiça só diz respeito a um ser humano.

9 Sob o peso da opressão, geme-se, e clama-se sob a mão dos poderosos.

10 Mas ninguém diz: ‘Onde está Deus, meu Criador, que inspira cantos de louvor em plena noite,

11 que nos instrui mais do que aos animais selvagens e nos torna mais sábios do que as aves do céu?’.*

12 Clamam, mas não são ouvidos, por causa do orgulho dos maus.

13 Por certo, Deus não ouve palavras frívolas, e o Todo-poderoso não lhes presta atenção.

14 Quando dizes que ele não se ocupa de ti, que tua causa está diante dele e que esperas sua decisão,

15 que sua cólera não castiga e que ele ignora o pecado,

16 Jó abre a boca para palavras ociosas e derrama-se em discursos impertinentes”.

Capítulo 36 Ver capítulo

1 Depois Eliú prosseguiu nestes termos:

2 “Espera um pouco e te instruirei. Tenho ainda palavras em defesa de Deus.

3 Vou buscar longe a minha ciência, para justificar aquele que me criou.

4 Pois minhas palavras não são certamente mentirosas e estás tratando com um homem de ciência sólida.

5 Deus é poderoso, mas não é arrogante, é poderoso por sua ciência.

6 Não deixa o ímpio viver, mas faz justiça aos oprimidos.

7 Não tira seus olhos do justo e os faz assentar no trono com os reis, numa glória eterna.

8 Se forem presos em grilhões e atados com os laços da pobreza,

9 ele lhes fará conhecer as suas obras e as faltas que cometeram por orgulho.

10 Abre-lhes os ouvidos para corrigi-los e diz-lhes que renunciem à iniquidade.

11 Se escutarem e obedecerem, terminarão seus dias na felicidade e seus anos em delícias.

12 Mas se não o escutarem, morrerão de um golpe e expirarão por falta de sabedoria.

13 Os ímpios de coração são entregues à cólera e não clamam a Deus quando ele os aprisiona.

14 Por isso morrem em plena mocidade e sua vida passa como a dos efeminados.*

15 Mas Deus salvará o pobre pela sua miséria e o instrui pelo sofrimento.

16 A ti também ele retirará das fauces a angústia, numa larga liberdade e no repouso de uma mesa bem guarnecida.*

17 Mas tu te comportas como um malvado, com o risco de incorrer em sentença e penalidade.

18 Toma cuidado para que a cólera não te inflija um castigo e que o tamanho do resgate não te perca.

19 Acaso levará ele em conta teu grito na aflição e todos os esforços do vigor?

20 Não suspires pela noite da morte, que arrebata os povos de seu lugar!

21 Guarda-te de declinar para a iniquidade, e de preferir a injustiça ao sofrimento.

22 Vê, Deus é sublime em seu poder! Que senhor lhe é comparável?

23 Quem lhe fixou seus caminhos? Quem pode dizer-lhe: ‘Fizeste mal?’.

24 Antes lembra-te de glorificar sua obra, que a humanidade celebra em seus cânticos.

25 Todos os homens a contemplam, mas cada um a considera de longe.

26 Deus é grande demais para que o possamos conhecer; o número de seus anos é incalculável.

27 Atrai as gotinhas de água para transformá-las em chuva no nevoeiro.

28 As nuvens espalham essas águas e as destilam sobre a multidão humana.

29 Quem pode compreender como se expandem as nuvens e o estrépito que sai de sua tenda?*

30 Espalha à sua volta sua luz e encobre as profundezas do mar.

31 É por esse meio que governa os povos e fornece-lhes abundante alimento.

32 Nas suas mãos esconde o raio e fixa-lhe o alvo a atingir.

33 O seu estrondo o anuncia e o rebanho também pressente aquele que se aproxima.

Capítulo 37 Ver capítulo

1 Por isso, tremeu o meu coração e saltou fora de seu lugar.

2 Escutai, escutai o brado de sua voz e o estrondo que sai da sua boca!

3 Enche dele toda a extensão do céu e seus relâmpagos atingem os confins da terra!

4 Por detrás dele ruge uma voz e troveja com sua voz majestosa. Não retém mais seus raios quando se ouve sua voz.

5 Deus troveja com sua voz maravilhosa, faz prodígios que não compreendemos.

6 Diz à neve: ‘Cai sobre a terra!’. E às pancadas de chuva: ‘Sede fortes!’.

7 Ele põe selos sobre as mãos dos homens, a fim de que todos os mortais reconheçam seu criador.*

8 A fera também entra em seu covil e encolhe-se em sua toca.

9 O furacão sai da câmara do sul e do norte chega o frio.

10 Ao sopro de Deus forma-se o gelo e a superfície das águas se congela.

11 Carrega as nuvens de vapor. As nuvens lançam por toda parte seus relâmpagos,

12 que vão em todos os sentidos sob sua direção, para realizar tudo quanto ele ordena na face da terra.

13 Ora é o castigo que eles trazem, ora seus benefícios.

14 Escuta isto, Jó! Para e considera as maravilhas de Deus!

15 Sabes como Deus as opera e faz brilhar o relâmpago de sua nuvem?

16 Conheces a lei do equilíbrio das nuvens e o milagre daquele cuja ciência é infinita?

17 Por que são quentes as tuas vestes, quando repousa a terra ao sopro do meio-dia?

18 Saberás, como ele, estender as nuvens e torná-las sólidas como um espelho de metal fundido?

19 Dá-me a conhecer o que lhe diremos. Mergulhados em nossas trevas, só sabemos objetar.

20 Quem lhe repetirá o que digo? Acaso pedirá um homem a sua própria perdição?

21 Agora já não se vê a luz, o sol brilha através das nuvens. Passa, porém, um vento e as varre.

22 A luz vem do norte. Deus está envolto numa majestade temível.*

23 Não podemos alcançar o Todo-poderoso. Ele é eminente em força e em equidade; grande na justiça, ele não tem a dar contas a ninguém.

24 Que os homens, pois, o reverenciem! Ele não olha aqueles que se julgam sábios!”.*

Capítulo 38 Ver capítulo

1 Então, do seio da tempestade, o Senhor deu a Jó esta resposta:*

2 “Quem é este que obscurece a Providência com discursos sem sentido?

3 Cinge os teus rins como um valente! Vou interrogar-te e tu me responderás.

4 Onde estavas, quando lancei os fundamentos da terra? Fala, se estiveres informado disso.

5 Quem lhe deu as medidas, já que o sabes? Ou quem sobre ela estendeu o cordel?*

6 Onde se assentam suas bases? Ou quem colocou nela a pedra angular,

7 sob os alegres concertos dos astros da manhã e sob as aclamações de todos os filhos de Deus?

8 Quem fechou com portas o mar, quando brotou do seio materno,

9 quando lhe dei as nuvens por vestimenta e o enfaixava com névoas tenebrosas?

10 Eu lhe tracei limites e lhe pus portas e ferrolhos,

11 dizendo: ‘Chegarás até aqui e não irás mais longe; aqui se deterá o orgulho de tuas ondas?’.

12 Algum dia na vida deste ordens à manhã, ou indicaste à aurora o seu lugar,

13 para que ela alcançasse as extremidades da terra e dela sacudisse os ímpios?*

14 A terra se molda como a argila sob o sinete e toma cor como um vestido.

15 Aos ímpios, contudo, é recusada sua luz e se rompe o braço ameaçador.*

16 Acaso chegaste até as fontes do mar ou passaste até o fundo do abismo?

17 Apareceram-te, porventura, as portas da morte, ou viste a entrada da morada tenebrosa?

18 Tens ideia da extensão da terra? Fala, se sabes tudo!

19 Onde está o caminho para a morada da luz? Quanto às trevas, onde é o seu lugar?

20 Poderias alcançá-las em seu domínio e reconhecer as veredas de sua morada?

21 Deverias sabê-lo, pois já tinhas nascido e são numerosos os teus dias!*

22 Entraste nos depósitos da neve ou visitaste os armazéns dos granizos

23 que reservo para os tempos de tormento, para os dias de luta e de batalha?

24 Por que caminho se espalha o nevoeiro e se expande o vento do oriente sobre a terra?

25 Quem abre um canal para o aguaceiro e uma rota para os relâmpagos dos trovões,

26 para fazer chover sobre uma terra desabitada e sobre um deserto sem seres humanos,

27 para regar regiões vastas e desoladas, para nelas fazer germinar a erva verdejante?

28 Terá a chuva um pai? Quem gera as gotas do orvalho?

29 De que seio sai o gelo e quem engendra a geada do céu?

30 As águas se endurecem como pedra e a superfície do abismo se congela!

31 És tu que atas os laços das Plêiades ou desatas as correntes do Órion?*

32 És tu que fazes sair a seu tempo as constelações ou conduzes a Ursa com seus filhos?

33 Conheces as leis do céu e regulas sua influência sobre a terra?

34 Levantarás a tua voz até as nuvens e o dilúvio te obedecerá?

35 Tua ordem fará os relâmpagos surgirem e te dirão: ‘Aqui estamos?’.

36 Quem pôs sabedoria nas nuvens e inteligência no meteoro?*

37 Quem pode enumerar com sabedoria as nuvens e inclinar as odres do céu,

38 para que a poeira se transforme em massa compacta e os seus torrões se aglomerem?

39 És tu que caças a presa para a leoa ou satisfazes a fome dos leõezinhos,

40 quando estão deitados em seus covis ou quando se emboscam nas covas?

41 Quem prepara ao corvo o seu alimento, quando seus filhotes gritam a Deus, quando andam de um lado para outro por não terem o que comer?

Capítulo 39 Ver capítulo

1 Sabes o tempo em que as cabras monteses dão cria nos rochedos? Observaste o parto das corças?

2 Contaste os meses de sua gravidez e sabes o tempo de seu parto?

3 Elas se agacham, dão cria e se livram de suas dores.

4 Seus filhotes tornam-se fortes e crescem nos campos, apartam-se delas e não voltam mais a elas.

5 Quem pôs o jumento selvagem em liberdade e quem rompeu os laços do asno veloz?

6 Dei-lhe o deserto por morada e a planície salgada como lugar de habitação.

7 Ele se ri do tumulto da cidade e não escuta os gritos do tropeiro.

8 Explora as montanhas da sua pastagem e nela anda buscando tudo o que é verde.

9 Quererá servir-te o boi selvagem ou passará a noite em teu estábulo?

10 Podes prendê-lo com uma corda em seu pescoço ou fenderá ele atrás de ti os teus sulcos?

11 Fiarás nele porque sua força é grande e lhe deixarás a seu cuidado o teu trabalho?

12 Confiarás nele para que te traga para a casa o que semeaste e que te encha a tua eira?

13 O avestruz bate as asas alegremente, não tem asas nem penas de bondade?*

14 Abandona os seus ovos na terra e os deixa aquecer no solo,

15 esquecendo-se que um pé poderá esmagá-los ou que animais selvagens poderão pisá-los.

16 É cruel com seus filhotes, como se não fossem seus e não se incomoda de ter sofrido em vão.

17 Pois Deus lhe negou sabedoria e não lhe concedeu inteligência.

18 Mas, quando alça voo, ri-se do cavalo e do cavaleiro.

19 És tu que dás vigor ao cavalo e foste tu que enfeitaste seu pescoço com uma crina ondulante?

20 Que o fazes saltar como um gafanhoto, relinchando terrivelmente?

21 Orgulhoso de sua força, escava a terra com a pata e atira-se à frente das armas.

22 Ri-se do medo, nada o assusta e não recua diante da espada.

23 Sobre ele ressoam a aljava, o ferro brilhante da lança e o dardo.

24 Tremendo de impaciência, devora o espaço e o som da trombeta não o deixa no lugar.

25 Ao sinal do clarim, diz: ‘Vamos!’. De longe fareja a batalha, a voz troante dos chefes e o alarido dos guerreiros.

26 É graças à tua sabedoria que o falcão alça voo e desdobra as suas asas para o sul?

27 É por tua ordem que a águia levanta voo e faz seu ninho nas alturas?

28 Ela habita nos rochedos e neles passa a noite, sobre a ponta rochosa e o cimo escarpado.

29 De lá espia sua presa, pois seus olhos penetram as distâncias.

30 Seus filhotes se alimentam de sangue e onde quer que haja cadáveres, ali está ela”.

Capítulo 40 Ver capítulo

1 O Senhor, dirigindo-se a Jó, lhe disse:*

2 “Aquele que disputa com o Todo-poderoso apresente suas críticas! Aquele que discute com Deus responda!”.

3 Jó respondeu ao Senhor nestes termos:

4 “Leviano como sou, que posso responder-te? Ponho a minha mão sobre a boca.

5 Falei uma vez e não repetirei, duas vezes, e nada acrescentarei”.

6 Então, do meio da tempestade, o Senhor deu a Jó esta resposta:

7 “Cinge os teus rins como um valente; vou interrogar-te e tu me responderás.*

8 Queres reduzir a nada a minha justiça e condenar-me antes de ter razão?*

9 Acaso tens um braço semelhante ao de Deus e uma voz troante como a dele?

10 Orna-te então de grandeza e majestade, reveste-te de esplendor e de glória!

11 Espalha as ondas de tua cólera. Com um simples olhar, abate o arrogante.

12 Com um olhar, humilha o soberbo e esmaga os ímpios no mesmo lugar em que eles estão.

13 Enterra-os todos juntos debaixo da terra e amarra-lhes os rostos num lugar escondido.

14 Então, eu também te louvarei por triunfares pela força de tua mão direita.

15 Vê Beemot, que criei contigo, que nutre-se de erva como o boi.*

16 Sua força reside nos rins e seu vigor nos músculos do ventre.

17 Levanta sua cauda como um cedro. Os nervos de suas coxas são entrelaçados.

18 Seus ossos são como tubos de bronze e sua carcaça como barras de ferro.

19 É obra-prima de Deus, foi criado como o soberano de seus companheiros.

20 As montanhas fornecem-lhe a pastagem e todos os animais dos campos divertem-se em volta dele.

21 Deita-se sob os lótus, no esconderijo dos caniços e dos brejos.

22 Os lótus cobrem-no com sua sombra e os salgueiros da margem o cercam.

23 Quando o rio transborda, ele não se assusta; mesmo que o Jordão levantasse até a sua boca, ele ficaria tranquilo.

24 Quem o seguraria pela frente e lhe furaria as ventas para nelas passar cordas?

25 Poderás tu fisgar Leviatã com um anzol e amarrar-lhe a língua com uma corda?*

26 Serás capaz de passar-lhe um junco em suas ventas e de furar-lhe a mandíbula com um gancho?

27 Ele te fará muitas súplicas e te dirigirá palavras ternas?

28 Concluirá ele uma aliança contigo, a fim de que faças dele sempre teu escravo?

29 Brincarás com ele como se fosse um pássaro, ou o prenderás com a coleira, para divertir teus filhos?

30 Será ele vendido por uma sociedade de pescadores e dividido entre os negociantes?

31 Poderás crivar-lhe a pele com dardos, ou a cabeça com arpões de pesca?

32 Tenta pôr a mão sobre ele, sempre te lembrarás disso e não recomeçarás.

33 Tua esperança será lograda: bastaria a sua vista para te arrasar.

Capítulo 41 Ver capítulo

1 Ninguém é bastante ousado para provocá-lo. Quem lhe resistiria face a face?

2 Quem pôde afrontá-lo e sair com vida? Quem, debaixo de toda a extensão do céu?*

3 Não quero calar a glória de seus membros e falarei de seu vigor incomparável.

4 Quem levantou a dianteira de sua couraça? Quem penetrou na dupla linha de sua dentadura?

5 Quem lhe abriu os dois batentes da goela? Em torno dos seus dentes, só terror!

6 Sua costa é um aglomerado de escudos, cujas juntas são estreitamente ligadas:

7 uma encaixa na outra, nem sequer o ar passa por entre elas;

8 uma adere tão bem à outra, que são encaixadas sem se poderem desunir.

9 Seu espirro faz jorrar a luz e seus olhos são como as pálpebras da aurora.

10 De sua goela saem chamas e escapam centelhas ardentes.

11 De suas ventas sai fumaça como de uma panela que ferve entre chamas.

12 Seu hálito queima como brasa e a chama jorra de sua goela.

13 Em seu pescoço reside sua força, diante dele salta o espanto.

14 As dobras de seus músculos são aderentes, esticadas sobre ele, elas são inabaláveis.

15 Firme como a pedra é seu coração, firme como a mó fixa de um moinho.

16 Quando se levanta, estremecem as ondas e os vagalhões do mar se afastam.

17 Se uma espada o atinge, ela não resiste, nem a lança, nem a flecha, nem o dardo.

18 O ferro para ele é como palha e o bronze, como madeira podre.

19 A flecha não o afugenta, as pedras de funda são palhinhas para ele.

20 O martelo lhe parece um fiapo de palha e ri-se do assobio da espada.

21 Sob seu ventre há cacos pontiagudos, como uma grade de ferro que se arrasta sobre o lodo.

22 Faz ferver o abismo como uma caldeira e transforma o mar num queimador de perfumes.

23 Deixa atrás de si um sulco luminoso, como se o abismo tivesse cabeleira branca.

24 Não há nada igual a ele na terra, pois foi feito para não ter medo de nada.

25 Ele afronta tudo o que é elevado. Ele é o rei dos mais orgulhosos animais”.

Capítulo 42 Ver capítulo

1 Jó respondeu ao Senhor nestes termos:

2 “Sei que podes tudo e que nada te é impossível.

3 ‘Quem é esse que obscurece assim a Providência com discursos ininteligíveis?’ É por isso que falei, sem compreendê-las, maravilhas que me superam e que não conheço.

4 ‘Escuta-me, deixa-me falar, vou interrogar-te e tu me responderás.’

5 Meus ouvidos ouviram falar de ti, mas agora meus próprios olhos te viram.

6 É por isso que me retrato e me arrependo, no pó e na cinza”.

7 Depois que o Senhor acabou de dirigir essas palavras a Jó, disse a Elifaz de Temã: “Estou irado contra ti e contra teus dois amigos, porque não falastes corretamente de mim, como Jó, meu servo.

8 Tomai, pois, sete touros e sete carneiros e vinde ter com meu servo Jó. Oferecei-os por vós em holocausto e meu servo Jó intercederá por vós. É em consideração a ele que não vos infligirei ignomínias por não terdes falado bem de mim, como Jó, meu servo”.

9 Elifaz de Temã, Baldad de Suás e Sofar de Naamat foram-se então para fazer como o Senhor lhes tinha ordenado, e o Senhor tomou em consideração as orações de Jó.

10 Enquanto Jó rezava por seus amigos, o Senhor o restabeleceu de novo em seu primeiro estado e lhe tornou em dobro tudo quanto tinha possuído.

11 Todos os seus irmãos, todas as suas irmãs, todos os seus amigos de antes vieram visitá-lo e sentaram-se com ele à mesa em sua casa. Tiveram muito dó dele e deram-lhe condolências a respeito de todas as infelicidades que o Senhor lhe enviara. E cada um deles ofereceu-lhe uma moeda de prata e um anel de ouro.

12 O Senhor abençoou os últimos tempos de Jó mais do que os primeiros. Teve Jó catorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de bois e mil jumentas.

13 Teve ainda sete filhos e três filhas:

14 chamou a primeira Pombinha, a segunda Cássia e a terceira Azeviche.

15 Em toda aquela terra não poderiam ser encontradas mulheres mais belas do que as filhas de Jó. E seu pai lhes destinou uma parte da herança entre seus irmãos.

16 Depois disso, Jó viveu ainda cento e quarenta anos e conheceu até a quarta geração dos filhos de seus filhos.

17 Depois, velho e cheio de dias, morreu.

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